PT
A palavra “festa” é suficientemente abrangente para assentar a diferentes tipos de eventos que têm como denominador comum o facto de se apresentarem como celebrações de alegria. Os dias longos convidam a este lado mais eufórico e às concentrações de massa humana em que a conversa se faz com os vocábulos da dança. Falámos com seis promotores que inscrevem a palavra “festa” com uma assinatura muito própria, e tomámos nota das próximas datas.
Quando a Bamba Social ainda não era Orquestra, todas as quintas-feiras, a porta do bar Baixaria via crescer uma fila para uma noite de samba e Música Popular Brasileira (MPB) protagonizada por cinco a seis instrumentistas – corria o ano de 2012. Pedro Pinheiro, membro fundador, relembra como “havia na altura um renascimento do interesse na música brasileira, muito à boleia do sucesso de artistas como Seu Jorge e Marcelo D2”. Ao longo dos 13 anos que passaram, a família foi crescendo. “À segunda ou terceira edição juntou-se um saxofonista. Algumas edições depois, juntou-se para cantar connosco o Tiago Nacarato, ainda antes de ter participado no The Voice”.
Hoje, a Orquestra Bamba Social é um polvo logístico – 17 membros integram o perfil completo de Orquestra, mas também o número mais reduzido do formato Roda de Samba. Pedro afiança: “é melhor começar a usar camisinha porque nós reproduzimo-nos muito rápido.” A tal imagem do polvo é evocada tanto por Pedro como por Miguel Camelo, em quem recai o peso da produção dos espetáculos da Bamba: “Coordenar os tentáculos que são 17 músicos, às vezes, torna-se um peso tão grande que até fica leve.” Pedro Pinheiro descodifica: “o que nos une é a amizade e o amor pelo projeto. Quando a balança mede o trabalho com a satisfação que retiramos dele, a satisfação pesa sempre mais”.
© Andreia Merca
© Andreia Merca
Em junho deste ano estrearam o novo formato Casa de Bamba com lugar nos jardins do gastrobar Jangal; são encontros mensais em que a tónica é “a alegria e a diversão em segurança”. Com a experiência prévia da “Feijoada dos Bamba”, um evento anual com comida e início de festa mais cedo, aperceberam-se da “afluência de diferentes grupos de faixas etárias, e diferentes energias”, levando-os a criar agora um formato “mais inclusivo” e que permita que haja folia durante todo o dia.
A partir de julho, as festas Casa de Bamba começam a operar, mensalmente, durante dois dias – com atividades para crianças no primeiro dia. Pedro explica que, tal como o crescimento da Orquestra foi orgânico, também esta vontade de criar um espaço para as crianças surgiu naturalmente: “na banda já estamos na idade de começar a ter os nossos filhos, e vimos isso acontecer em simultâneo com o nosso público.” As próximas datas da Casa de Bamba, no Jangal, são 5 e 6 de julho e 2 e 3 de agosto.
Pedro Pinheiro © Andreia Merca
Rúben Domingues © Guilherme Costa Oliveira
No mar de gente que transita no Cais da Ribeira em qualquer um dos meses amenos, músicos de rua, acrobatas e fotógrafos que prometem o melhor retrato das férias concorrem com o casario gaiense para captar o olhar do visitante. Mas, mensalmente, há algo que se projeta entre este mosaico vibrante: um barco de branco-marfim artilhado com potentes colunas que emanam um house sorridente e desperto – mais uma Boat Party prestes a zarpar.
É a bordo que encontramos Rúben Domingues, da promotora RDZ. Esta promotora começa em 2006, “como uma brincadeira”, em que um grupo de amigos organiza algumas festas em casas icónicas da noite portuense, como o Swing e o Indústria. É logo em 2010 que começam, também, as boat parties da RDZ. Pelo caminho, a RDZ fez nome com eventos em lugares inusitados, entretanto popularizados, como o Forte de São João Baptista, o Mosteiro de São Bento da Vitória ou o Silo Auto.
Festival Elétrico em 2024 © Nuno Miguel Coelho
© Guilherme Costa Oliveira
Rúben admite que as boat parties, para ele, são especiais. “Em qualquer outro dos nossos eventos, gosto de estar em cima de tudo, sempre a resolver e a trabalhar. Aqui, a vontade que tenho é de dizer ‘É pá, no barco, não! Resolvam!’”. Segundo este promotor, o que distingue as boat parties é o ambiente contemplativo que as margens do Douro proporcionam: “Passamos um estilo de música alegre, dinâmico, com groove – não pesado, mas também não morto – que, além de convidar para dançar, também permite que as pessoas contemplem a paisagem que as rodeia.” O percurso é sempre o mesmo: subir o rio, regressar à Foz para o pôr-do-sol no mar, e regresso à Ribeira ao início da noite. As boat parties são mensais; a de julho acontece no dia 11 com Miguel Rendeiro, Whitenoise e Alex Vinent. Em agosto, terá lugar no dia 15 de agosto, com alinhamento a confirmar.
Para além das boat parties, outra figura de proa da RDZ é o Festival Elétrico. Desde 2018 que este festival de três dias aterrou no Parque da Pasteleira, onde todos os anos tem levado grandes nomes da música de dança. Com uma identidade e um público-alvo diferenciados, Rúben admite que, no fundo, “fazemos o festival para nós” – algo que se estende à criação de um espaço seguro e alegre para crianças, “até porque já todos somos pais”. A par das grandes atuações, o festival tem eventos de mindfulness e ioga, e um programa paralelo de talks. A edição deste ano acontece nos dias 4, 5 e 6 de julho e vai trazer à cidade nomes como Hercules & Love Affair, Moodyman, Adam Ten ou Chris Stussy.
A Maracujália dá os primeiros passos na senda da Oiôba, uma marca de biquinis. Como forma de activação desta marca, com um maracujá como identidade, foram promovidas uma série de festas com sons do movimento Tropicália – resultando nas festas Maracujália. A popularidade destas festas – de entrada gratuita e em espaços ao ar livre – foi fulminante. Hoje, quase 10 anos depois da fundação, arrastam um público fiel para uma média escala que, ao longo de 40 edições, já encheu salas como a Casa das Artes, a Casa da Música ou a Alfândega.
Para falarmos sobre as próximas festas da Maracujália tivemos a oportunidade de falar com o Maracu — uma criatura mítica criada pela Maracujália como porta-voz. O DNA da Maracujália está à flor da pele nesta personagem: enverga um fato produzido por um artesão de Podence, seguindo a linha dos caretos; a máscara é de inspiração (e cores) africanas; e o Maracu poderá ser visto a envergar um totem ou bastão com símbolos da etnografia brasileira. Estão aqui as coordenadas que servem para triangular o tropicalismo devoto que dá todo o tempo de antena nas festas a MPB, reggae, funaná.
© Nuno Miguel Coelho
© DR
Maracu conta-nos das duas próximas grandes datas. Já a 12 de Julho, terá lugar na FAUP (Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto). Segundo Maracu, “vai ser um evento com bastante escala, mas que nem por isso deixará de ter atenção ao pormenor”. Começará às 9 da manhã, e terminará perto da meia-noite, com 4 palcos por onde se distribuirão 16 artistas. A diversidade de perfis dos espaços da Faculdade permitirá explorar tanto zonas de grande capacidade como pequenos jardins e zonas imersivas. A organização destaca as “texturas quebradas, volumes abstratos e percursos singulares” que será possível explorar nesta festa — ideias que dão dicas do passado de alguns fundadores da Maracujália como antigos alunos da FBAUP.
Já no dia 23 de Agosto, vão levar à Alameda das Fontainhas a festa do Dia da Lusofonia, um evento de entrada livre produzido em parceria com a Ágora e a Câmara Municipal do Porto. Com artistas de Portugal, Brasil e dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), a festa irá também valer-se do formato dos sound systems jamaicanos, grandes estruturas de madeira com colunas capazes de encher de som espaços ao ar livre.
© Nuno Miguel Coelho
© Guilherme Costa Oliveira
Três fotógrafos estão junto à entrada do Maus Hábitos, com câmaras apontadas para o corredor ladeado por um público que se amontoa junto aos vidros que dão para as zonas abertas. Ao som de uma batida pulsante, modelos desfilam com criações únicas e dificilmente repetíveis. Não é apenas um desfile; é uma edição ‘hot’ couture da festa Brasa, com Runnan como a anfitriã de sempre. É o tema desta edição, mas facilmente poderiam ter entrado numa edição com performances drag ou shibari em frente à cabine, ou uma vogue night. Contudo, a história da Brasa começa com comida.
Runnan é natural de Natal, no estado brasileiro do Rio Grande do Norte. Sempre teve um enorme interesse por cozinhar (“na minha casa, eu era a que mais gostava de cozinhar, por isso se queria experimentar algo novo, eu mesma ia fazer!”) e começa logo aos 13 anos a vender cupcakes para o bar da escola. Mais tarde, esse é o grande motivador da viagem para Portugal, uma vez que queria aprender a arte da confeitaria. Quando conhece Pedro Colaço, “o match acontece não só a nível emocional como a nível profissional”. A dupla faz uma marca de comida vegan que vende na rua, mas cedo surge a ideia de vir a fazer uma festa diferenciada na imagem. Pedro, que cedo enveredou pela vertente artística através da Escola Soares dos Reis, assumia o lado da comunicação – montava vídeos e cartazes que pretendiam comunicar o perfil e a textura da festa (“naquela altura, as festas usarem vídeos para se promover ainda era algo novo”, lembra Runnan).
© Guilherme Costa Oliveira
Começam em 2023, ainda na Embaixada Lomográfica, e Runnan confessa que “se espantou pela quantidade de gente que veio”. “Nós não tínhamos experiência de produção, não fazíamos ideia se ia correr bem, mas a rede que temos apoiou-nos muito, e as pessoas apareceram.” O negócio da comida de rua manteve-se, até porque a estratégia foi a de não cobrar entrada nas primeiras festas, como forma de criar um público fiel. Mas foi já aqui que as festas Brasa começaram a ganhar a versatilidade pela qual hoje são conhecidas. Runnan lembra como “um dia, a festa ainda nem tinha começado, e entra na sala a Luísa Vida, muito conhecida na cena ballroom de Belo Horizonte”. “Eu só estava a experimentar o som, e ela começou logo ali a fazer um voguing [dança inspirada nas poses das modelos]. Falei logo com ela, e ela mesmo propôs fazermos uma parceria para uma vogue night”, conta.
Hoje, a Brasa tem casa regular no Maus Hábitos. Esta mudança acontece com uma proposta de Luís Salgado, programador da casa. “Nós não tínhamos cara para achar que podíamos fazer a festa aqui, mas de certa maneira estávamos a manifestar esta oportunidade. E tem sido tudo óptimo, temos recebido muito apoio de toda a equipa da casa, colegas da área.” Para quem se quiser juntar, Runnan deixa claro que a atmosfera é de “diversidade, e preocupamo-nos que todos se sintam confortáveis”. “Não acreditamos em separação de públicos, acreditamos na união com respeito, amor e liberdade.” E, apesar dos visuais cuidados na comunicação das festas, o público deve sentir que pode vir da forma mais autêntica que sentirem: “coisas como um dress code seriam impensáveis para nós”. A próxima festa acontece a 4 de julho com a Brasa no formato habitual no Maus Hábitos (início às 23h00), onde podem acompanhar um cruzamento de beats eletrónicos, com grande influência de funk e ritmos latinos e, também, desvios para géneros como techno, drum n bass, jungle, brega funk, entre outros. Já no dia 9 de agosto, a Brasa irá promover uma nova edição da Lombra, uma festa temática com local e lineup a anunciar.
As Fylhas do Dragão já são quatro irmãs, mas começaram como “duas gémeas separadas à nascença”, segundo António Ónio. A outra metade deste duo original é DJ Giovanna, sendo que, mais tarde, a família alargou com a entrada de Maria João e Will. “Giras, bouas e dragonas”, a frase-cartão-de-visita deste coletivo de DJs, é quase uma mnemónica – giram discos de alta energia e euforia, celebram o lado mais “fierce” da vida, e o envergar da relação sentimental com um dos clubes de futebol da cidade encerra uma missão de inclusividade total. Segundo Ónio, para as Fylhas do Dragão, a inclusividade “deve incluir todos, não apenas alguns nichos”, pelo que o uso de um símbolo de carinho no mundo heteronormativo é mais uma ponte lançada para que pessoas fora do universo queer se sintam, também elas, confortáveis e seguras nestas festas.
Giovanna e Ónio conheceram-se no mundo da performance – participaram os dois no Coletivo A Leste e, mais tarde, juntaram-se como uma dupla nos artefactos teatrais de “Meter o dedo na ferida” e “Mega Pop Show”. A afinidade ficou completa quando Ónio convida Giovanna a tocar com ele numa noite de clubbing no Ferro – a parceria na cabine ficou cunhada a fogo. Mas nem por isso a performance abandonou as Fylhas – ainda hoje, há um trabalho extra na cenografia dos espaços que recebem as festas porque, segundo Giovanna, “nós importamo-nos muito, passamos horas a fazer isto”. “Também queremos que as pessoas se importem, que vejam todo o trabalho feito à mão e percebam que foi tudo para elas.”
Will, António Ónio e Giovanna © Andreia Merca
© DR
As Fylhas do Dragão têm um centro gravitacional no Passos Manuel, mas têm já traçado órbitas que levaram as suas festas a espaços como a Musa das Virtudes, o Ferro, ou a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Fora deste sistema portuense, já se internacionalizaram com festas em Vigo, Corunha, Geneva – e já este mês terão uma participação em Berlim.
Mais perto do seu centro de gravidade, as Fylhas do Dragão vão tocar no dia 27 de julho na Associação de Moradores da Bouça, e a 23 de agosto no Bácoro. O que poderão esperar de uma destas festas está nas diferentes vozes que estão no DNA das Fylhas: enquanto Giovanna confessa uma maior proximidade aos sons latino-americanos de uma “bandiva”, já Ónio costuma “puxar mais pelo techno” – e a esta matriz juntam-se os condimentos prováveis e improváveis dos convidados em cada data. Mas se quiserem saber mais, nada melhor do que entrar em contacto direto com as Fylhas: “Preocupamo-nos muito com a nossa pegada digital; respondemos a todas as mensagens que recebemos nas redes, mas não estejam à espera de uma resposta séria e corporativa [risos].”
© DR
© Nuno Miguel Coelho
Pedro Tabuada aponta para a pandemia como o início da R4W: “sempre sonhei ter uma identidade criada por mim na noite portuense, e naquele contexto de tudo estar fechado e as pessoas estarem afastadas, comecei a falar com um amigo sobre os moldes do que queríamos fazer.” E esses moldes, no fundo, remetiam para a época dourada da house music no Porto: “aquele conceito de discoteca que parecia que se estava a perder na cidade”. Começam, então, no Baixa Bar. “No início, foi a loucura; via-se que faltava aquele nicho”. E é também nessa altura que definem um dos ingredientes principais – ser uma festa que se realiza às quartas-feiras, dia da semana que sempre pareceu mais apelativo a Pedro.
Mas o ingrediente máximo nas festas R4W são sempre as pessoas – embora Tabuada prefira usar a palavra família. “Ao fim de um ano, quando estava a fazer uma publicação de agradecimento a quem tinha participado como DJ, fiquei espantado ao ver que tínhamos 66 nomes!” Apesar de vários desses participantes terem já nome na praça, Pedro assume, também, como missão dar uma oportunidade a quem ainda não conseguiu entrar no circuito noturno. “Tenho orgulho de ter aberto estas portas, porque aqui no Porto há muitos pequenos circuitos fechados.” Para encontrar estes nomes, não há atalhos, apenas muito trabalho: ouvir sets e investigar.
© Nuno Miguel Coelho
© Nuno Miguel Coelho
Esta definição de família estende-se também ao público que se junta para dançar: “Mesmo quando estou a atuar, gosto sempre de estar atento a quem vem, saber quem são, se estão bem.” Este abraçar do público como família poderia parecer um chavão, mas na quarta-feira que acompanhámos uma edição da R4W, a cabine do DJ era onde cada pessoa que chegava picava o ponto com um abraço e duas de letra. Tabuada, o primeiro act da noite, saltava entre a pista e a mesa de mistura e, mesmo à entrada, havia sempre tempo para uma conversa com quem estava a fazer a porta.
As festas R4W decorrem com a regularidade de batidas por minuto: sempre à quarta-feira, sempre à meia-noite. Embora no seu segundo ano de existência tivessem migrado para o Ferro, há cerca de um mês que a R4W passou a residir no Era Uma Vez no Porto. No dia, basta seguir a bandeira plantada na Rua da Madeira. A nível musical, o que será de esperar é, nas palavras de Pedro Tabuada, “um outro tipo de ambiente, mais bonito, mais sorridente. Não tão escuro e pesado como é tendência encontrar em espaços de dança”.
Partilhar
FB
X
WA
LINK
Relacionados