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Porto is in the eye of the beholder
Isabel Barros and the dreamworld of Museu das Marionetas
Interviews
Quem conta o Porto Isabel Barros

Coreógrafa, intérprete, programadora e formadora, Isabel Barros é, também, a guardiã da memória e do legado de João Paulo Seara Cardoso (1956-2010), fundador do Teatro de Marionetas do Porto e o sonhador do Museu das Marionetas do Porto. Falámos com a diretora artística deste espaço que reabriu portas em março, depois de ter sido alvo de um trabalho de renovação e ampliação.

“Universo Onírico” é o título da nova exposição do museu que reúne marionetas e adereços de vários “espetáculos icónicos” da companhia. “Escolhemos algumas peças marcantes para esta exposição, e criámos uma nova sala no museu, a Wonderland, que resume, talvez, esse universo onírico”, conta Isabel Barros à Agenda Porto. A sala foi concebida para proporcionar uma experiência imersiva, transportando os visitantes para o universo das marionetas. Segundo Isabel, “Wonderland é uma peça emblemática do João Paulo Seara Cardoso”, escrita a partir de Alice do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll. “Entramos nesta sala e é quase como se pudéssemos fazer uma viagem nesse universo.”


Há, ainda, uma nova sala de exposições temporárias, para as companhias convidadas, e que vai acolher duas exposições por ano. “Acho que é uma forma interessante de ir trazendo os colegas”, diz Isabel, acrescentando que a sala ficou “mais intimista, mais reservada”. O Teatro de Ferro foi a companhia escolhida para inaugurar esta sala com a exposição “Uma Coisa Menos Longínqua”, onde cabem duas das suas criações: Uma Aventura no Espaço (2013) e Uma Coisa Longínqua (2020). “Fez todo o sentido” começar com o Teatro de Ferro “porque há uma ligação muito antiga à companhia, ao Igor Gandra e à Carla Veloso”, refere. A próxima exposição a ter lugar nesta sala será da companhia de Montemor-o-Novo Alma D’Arame – Teatro de Marionetas.

Quem conta o Porto Isabel Barros

Sala Wonderland © Rui Meireles

Quem conta o Porto Isabel Barros

Uma Coisa Menos Longíngua, do Teatro de Ferro © Rui Meireles

Outras novidades são quatro grandes vitrinas e o mural da autoria de Júlio Vanzeler, “criado expressamente para o museu”. A diretora artística destaca, ainda, “toda a renovação do espaço, apostando muito nas novas valências no que respeita à acessibilidade”, sublinhando, neste sentido, que o museu já está preparado para receber visitantes com deficiência auditiva. “Vamos tentar ainda, ao longo deste ano, ter maior acessibilidade para pessoas com deficiência visual, também”, adianta. Além disso, o museu reforça a componente interativa, com um espaço dedicado à experimentação, permitindo ao público manipular marionetas.


A celebrar 12 anos, o Museu das Marionetas do Porto é um museu de autor, centrado na obra de Seara Cardoso, que, em 1988, fundou as Marionetas do Porto. Nessa altura, Isabel ainda não o conhecia – apenas se viriam a conhecer em 92, acontecimento que representou “uma grande mudança” na sua vida.

Quem conta o Porto Isabel Barros

© Rui Meireles

Quem conta o Porto Isabel Barros

Teatro Dom Roberto

“O João Paulo começou pelo teatro mais tradicional, nomeadamente pelo Teatro Dom Roberto, que lhe foi passado pelo Mestre António Dias, um bonecreiro tradicional, e ele quis recuperar essa tradição.” Neste sentido, no museu, “encontramos a barraca e os Robertos do João Paulo, que continuou a fazer este teatro popular ao longo de toda a vida; a última vez foi em 2010 [ano em que faleceu]”, recorda.


O Teatro Dom Roberto e o espetáculo Miséria, que conta a história de um ferreiro que engana a Morte e é condenado à eternidade, fazem parte da exposição permanente do museu porque “são duas peças emblemáticas e fundadoras da companhia, e eram dois solos do João Paulo”. “O Teatro Dom Roberto era um trabalho de rua, feito nas feiras, praças e em todos os lugares públicos; e Miséria era uma peça muito intimista, que inaugurou o Teatro de Belmonte. Essas duas peças são extremamente importantes e, por isso, estão sempre aqui destacadas na exposição”, sublinha.

Quem conta o Porto Isabel Barros

Miséria, Teatro de Marionetas do Porto © Rui Meireles

Eu, Corpo, Tu, Cidade

Numa coreografia que não necessita de ensaios, Isabel Barros sempre dançou com e na cidade do Porto. Ainda “muito cedo”, aos oito anos, começou a fazer ballet “por uma razão médica”. “Foi o ortopedista que me aconselhou a fazer ballet e a caminhar na praia, e é o que eu tenho feito a minha vida toda: dançar e caminhar na praia”. Ainda adolescente, em 1983, fundou o balleteatro, juntamente com a irmã Né Barros e com Jorge Levi. “Quando fundei o balleteatro, ainda não tinha 18 anos. Nessa altura, achava mesmo que ia conseguir mudar o mundo, e que era capaz de vencer tudo…” Não mudou o mundo, mas terá contribuído para mudar a cidade no que à dança contemporânea diz respeito: “Isso foi incrível porque, na altura, as opções a nível de dança e de teatro eram muito reduzidas no Porto, nomeadamente ao nível da formação. Isso obrigou-me imediatamente a começar a sair, a ir para Lisboa, a fazer estágios, a ir ao ACARTE [da Fundação Calouste Gulbenkian] ver espetáculos; eu era adolescente e já ia aos encontros ACARTE, ia e voltava”, recorda.

Sem nunca deixar de estar ligada ao balleteatro, Isabel mudou-se para Paris para estudar. É em 1992, quando regressa ao Porto, que conhece Seara Cardoso. “Praticamente nove anos depois de ter fundado o balleteatro, conheço o João Paulo, que dava aulas lá, e que me convida para criar um espetáculo com ele. A partir daí, tivemos uma enorme paixão, foi uma história de amor muito bonita; temos duas filhas e, portanto, é uma coisa para a vida”, desfia. Foi aí que as marionetas entraram – para ficar – na vida de Isabel.


Para esta artista multidisciplinar, as marionetas “são muito mais do universo sem palavras, são do universo do movimento, e são fascinantes porque são seres que permitem coisas que os atores não conseguem fazer”. É o movimento e a plasticidade das marionetas que interessa a Isabel. “Foi esse lado que sempre me interessou, muito mais do que quando estão a dizer texto, mas isso é uma coisa muito pessoal”. E acrescenta: “O João Paulo trabalhava muito a questão do texto, nomeadamente nas peças infantis; ele escrevia os textos e depois encenava; portanto, nós tínhamos olhares bastante diferentes, mas isso foi muito forte também na nossa relação artística; por isso, fizemos cocriações de cruzamento”, recorda.

Quem conta o Porto Isabel Barros

© Rui Meireles

Quem conta o Porto Isabel Barros

© Rui Meireles

À Agenda Porto, Isabel confessa-se “completamente apaixonada pelo Porto”, cidade onde, nos últimos 15 anos, quis desenvolver projetos artísticos com várias comunidades, quer através do balleteatro, quer através do Teatro de Marionetas do Porto. “Quis acrescentar alguma coisa ao meu trabalho; ou seja, não ficar só a trabalhar com profissionais, que, para mim, é mais confortável”, admite. “Eu sei que quando vou trabalhar com profissionais é tudo mais simples; e quando vou trabalhar com comunidades, os projetos são muito mais desafiantes, levam-nos para outros territórios...”


Com o balleteatro tem desenvolvido projetos em parceria com a Domus Social, nomeadamente com crianças e jovens de bairros do Porto, como foi o caso da criação artística “Querido Planeta Azul”, apresentada em março deste ano. “São projetos muito bonitos, ligados à música, à escrita, ao teatro à dança, portanto, cruzando as artes todas.”


Com o Pólo do Teatro de Marionetas, desenvolve, desde 2018, criações artísticas com idosos, no âmbito do projeto “Quem sou eu?”, em parceria com a autarquia do Porto. Trata-se de um projeto com uma componente de coesão social, que tem como principal objetivo trabalhar as estórias de vida da população idosa da cidade, servindo-se das marionetas como veículo de expressão e de inclusão. Este ano, este projeto de criação artística é com o Centro Social da Foz.

“Todos os anos é com uma entidade diferente”, refere Isabel. “Na edição do ano passado, trabalhámos com o Centro de Dia da Casa de Lordelo, e desafiei uma senhora que fazia crochê a fazer as camisolinhas de todas as marionetas, que estavam giríssimas”, conta. “Primeiro, tento perceber o grupo, e depois trabalho com as pessoas em função das suas competências.” O espetáculo que vai resultar deste projeto de criação já tem data marcada: será apresentado a 17 de julho no Teatro Campo Alegre.


“A cidade para mim é toda, [é inteira]; ou seja, além gostar de caminhar na cidade, dos lugares, gosto muito de ter conseguido chegar a todos os pontos, a Campanhã, à Foz, a Lordelo, ao Centro Histórico, de estar nessa proximidade. São [projetos] que são muito invisíveis, mas gosto muito de estar nessa proximidade.” E conclui: “Os artistas, normalmente, gostam de grandes palcos. Grande parte do meu tempo, passo-o a trabalhar nessa zona mais invisível que depois, pontualmente, tem a sua visibilidade, e que acaba por ser um trabalho mais inteiro.”

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© Rui Meireles

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