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“Mulheres e Revoluções” é o tema da sétima edição do Porto Femme – Festival Internacional de Cinema, que acontece de 16 a 21 de abril, em sete espaços da cidade. Além das competições, há três programas especiais dedicados à temática do festival, um tributo à cineasta Margarida Cardoso, conversas, oficinas, uma exposição e uma performance. A concurso, estão 122 filmes oriundos de 38 países, 11 dos quais em estreia mundial.
“Porque é o mês em que celebramos os 50 anos do 25 de Abril, ganha sentido especial ocuparmos este mês”, declara Rita Capucho, uma das fundadoras e codirectora do Porto Femme. Sobre a escolha da temática para esta edição, refere que, apesar de todas as revoluções que já foram feitas, como a conquista do direito ao voto, “o 25 de Abril para as mulheres demorou a chegar”, lembrando que a legalização do aborto em Portugal apenas aconteceu em 2007.
E o aborto é, precisamente, um dos temas presentes no festival, através de filmes como Uma Mulher Comum (2023), de Debora Diniz, uma das 11 estreias mundiais. “É um filme que aborda a história de uma mulher que viaja do Brasil para a Argentina, acompanhada pela sua mãe, para realizar um aborto em segurança”, conta.
O Porto Femme apresenta várias competições oficiais: internacional, nacional, uma dirigida a estudantes, a XX Element (onde podem entrar produções realizadas por homens, desde que tenham mulheres na equipa ou abordem temas feministas) e a temática – “Mulheres e Revoluções”, que terão projeções no Batalha Centro de Cinema, na Casa das Artes, na Casa Comum da Universidade do Porto e na Universidade Lusófona.
© Rui Meireles
Além das competições, serão, também, atribuídos os prémios “Lutas e Direitos das Mulheres”, que distingue o melhor filme sobre os direitos da mulher, e “Sororidade”, que homenageia associações que “partilham os mesmos valores” do festival. Este ano, a homenageada será a Associação Tudo Vai Melhorar, que se dedica à causa LGBTIQ+. Com sede no Porto, faz um trabalho direcionado para os jovens LGBTI, com “uma mensagem positiva”. “Eles fazem uma série de vídeos, com mensagens positivas, e partilham connosco também os espaços da Casa das Associações”, refere Rita Capucho.
Na competição temática “Mulheres e Revoluções”, serão apresentados vários filmes que falam sobre o movimento feminista. Capucho destaca, entre outros, Analogue Revolution: How Feminist Media Changed the World (2024), de Marusya Bociurkiwque, que aborda “a forma como as mulheres comunicavam as causas do movimento feminista no Canadá na época analógica, e depois, quando passamos para uma época digital, e como é que este movimento se organiza para comunicar”; e Sew to Say/ Costurar para Dizer (2022), de Rakel Aguirre, sobre um acampamento de mulheres que, durante mais de 20 anos, se manteve ativo numa luta contra as armas nucleares, e “vem-nos mostrar a força dos coletivos e dos movimentos feministas”.
Há, ainda, três mostras especiais, subordinadas à temática desta edição para as quais o Porto Femme convidou as curadoras Luísa Sequeira, Maria Luna-Rassa e Janaína Oliveira. Rita Capucho faz-nos uma “visita guiada” pelo programa:
Mostra composta por três curtas-metragens da autoria de realizadoras negras brasileiras onde o amor na perspetiva das mulheres é, também, protagonista, seja ele o amor romântico, o amor-próprio, o amor por sonhos compartilhados, o amor pela luta. São elas: O Tempo é um Pássaro, de Yasmin Thayná, A Felicidade Delas, de Carol Rodrigues, e Deixa, de Maria Jaspe.
Janaína Oliveira, “especialista em cinema negro, apresenta este programa que tem as mulheres negras como protagonistas, quer seja atrás das câmaras, quer seja à frente, nas telas; e o que ela nos diz no texto da curadoria é que, por norma, a narrativa do amor e das mulheres negras são opostas e quase excludentes. As mulheres negras não são vistas nas histórias e narrativas de amor”, conta. Segundo Capucho, “há cada vez mais mulheres negras a realizar filmes, a escrever as suas próprias narrativas, sem ser a visão das pessoas brancas, e há uma nova forma de estas mulheres serem representadas, de se verem representadas nestas narrativas”, concretiza.
Esta mostra, com curadoria de Rita Capucho e Luísa Sequeira, reúne vários registos documentais “de revoluções feitas por mulheres”, nomeadamente Amanhã (2004), da Solveig Nordlund, cineasta homenageada o ano passado no Porto Femme, que retrata “um olhar de uma criança sobre o 25 de Abril”; Casas para o povo (2010), de Catarina Alves Costa, um filme de carácter experimental, feito com imagens e sons do período entre agosto de 1974 e outubro de 1976, “um filme pertinente numa altura em que se vive, também, uma crise na habitação”; A Caça Revoluções (2014) de Margarida Rêgo, que explora o poder de uma fotografia para ativar a memória; Revolução (1975), de Ana Hatherly, poeta que opera uma montagem experimental a partir de grafites e cartazes do 25 de Abril; Os Cravos e a Rocha (2015), de Luísa Sequeira, que resgata imagens do primeiro filme coletivo da história do cinema português; e ainda O Aborto Não é um Crime, de 1976, realizado por Monique Rutler e Fernando Matos Silva. Trata-se de uma reportagem que aborda a temática dos abortos clandestinos em Portugal e que levou a que, em 1979, a jornalista Maria Antónia Palla, que assina a reportagem, fosse julgada em tribunal (tendo sido absolvida).
“São diferentes olhares de cineastas portuguesas sobre o 25 de Abril, sobre [as conquistas] que o 25 de Abril trouxe. Vamos trabalhar aqui um pouco com as memórias, mas também com a realidade atual”, resume Rita. Já Uma revolução íntima. De monstros e mulheres no cinema indígena apresenta quatro curtas-metragens realizadas ou cocriadas por mulheres ou pessoas transgénero de comunidades indígenas: Muu Palaa-la Abuela Mar (2020), de Olowaili Green e Luzbeidy Monterrosa, Flores de La Llanura (2021) de Mariana Xochiquétzal Rivera (com o Coletivo de mulheres tecelãs Flores de la llanura), La Carta (2014), de Ángeles Cruz, e Aribada (2022), de Simone Jaikiriuma Paetau e Natalia Escobar.
A colombiana Maria Luna-Rassa convida os espectadores a “reconhecer novas perspetivas e olhares no ambiente enriquecedor do cinema indígena latino-americano contemporâneo” e ainda propõe no título desta mostra a palavra “monstro” como “uma provocação, partindo da ideia do desconhecido que se manifesta a partir dos sonhos”.
“São filmes que nos vão trazer outras narrativas e mostrar um olhar que, se calhar, não conhecemos tão bem porque são filmes que não chegam ao grande público. Esta é uma oportunidade única de conhecermos este cinema feito por estas mulheres indígenas da América Latina”, frisa Rita Capucho.
A homenageada desta edição é a cineasta portuguesa Margarida Cardoso, "pela sua capacidade de retratar as revoluções individuais de personagens singulares nos seus filmes". No dia 19 de abril, às 21h15, no Batalha Centro de Cinema será exibido o filme Understory (2019) e haverá uma conversa com a realizadora moderada pela investigadora e ativista Kitty Furtado.
Destaque, ainda, para a oficina Desconstruindo Estereótipos - O Cinema como Linguagem para Transformação, aberta a todos os interessados, que acontece de 18 a 20 de abril, no MIRA Artes Performativas. “Mesmo que as pessoas não tenham experiência, vão poder realizar uma pequena curta de um minuto, com a sua visão sobre os temas” propostos, adianta Capucho. “Há aqui um convite, um desafio que é feito às pessoas para participarem”. Na cerimónia de encerramento do festival estes filmes “reflexivos” serão exibidos. O workshop é gratuito, mas é necessária inscrição (info@portofemme.com).
A cerimónia de encerramento, na qual vão ser revelados os vencedores dos prémios da sétima edição do Porto Femme, acontece no Batalha, dia 21, às 21h15.
© Rui Meireles
Organizado pela associação XX Element, o Porto Femme acontece, anualmente, na cidade do Porto e pretende ser “um festival de visibilidades”, empenhado em divulgar o trabalho cinematográfico de mulheres e pessoas não-binárias.
E o que pode, afinal, o cinema? “O cinema é muito poderoso. De todas as artes, acaba por ser uma das mais poderosas, acaba por ter um impacto no espectador porque atua ao nível da emoção; além de conseguir trazer-nos visões diferentes e realidades que nós desconhecemos”, afirma Rita Capucho. A codiretora do Porto Femme acredita na eficácia do cinema para “passar muito mais facilmente as mensagens”. “Se o cinema abordar causas que importam, e temas atuais, contemporâneos, poderá provocar mudanças ou, pelo menos, contribuir para uma reflexão”, diz. E as mulheres, enquanto realizadoras, trazem novas perspetivas e realidades: “Havendo mais mulheres atrás das câmaras, há outras realidades, outras representações, outros temas que passam a ser abordados, que antes não eram. Se tínhamos uma maioria de realizadores homens a fazer filmes, continuávamos a ter no cinema uma visão patriarcal.”
Uma das mudanças operadas pelas mulheres que têm a câmara na mão é ao nível das representações das próprias mulheres e dos papéis que ocupam no cinema: “Por norma, as mulheres são mães, são amantes, são as companheiras… e nas narrativas mais clássicas que vimos, toda a sua ação está em torno de um homem”, aponta Rita, referindo um ‘teste feminista’ à avaliação dos filmes. “Há um teste que se faz para avaliar se os filmes são feministas; por norma [nos filmes não feministas], nunca existem duas personagens femininas a falar sozinhas uma com a outra; ou se existem, estão a falar de um homem. Para um filme ser considerado feminista, as personagens devem ser independentes" e não gravitarem em torno de uma figura masculina.
© Rui Meireles
Questionada sobre se a expressão “cinema no feminino” poderá contribuir para uma maior segmentação do trabalho artístico da mulher ou para reforçar estereótipos de género, Rita Capucho recorda o estudo A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e Audiovisual em Portugal, promovido pela MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, publicado o ano passado.
“Ainda há muitas disparidades entre géneros, e percebemos que, para resolver esse problema, para conseguirmos chegar aos 50-50 de representatividade [no setor] em Portugal, vamos ter que atuar, quer ao nível da produção dos filmes, mas também ao nível da distribuição e da programação de filmes nos festivais”, afirma.
"É preciso trabalhar resistências nas pessoas que acham que o Porto Femme é um festival de nicho, ou que, se calhar, é um festival que só interessa às mulheres, quando interessa a todas as pessoas”
A codiretora do Porto Femme ressalva, por isso, que este festival “trabalha a questão da representatividade”, considerando que a maioria de filmes que integram a seleção final dos festivais de cinema são realizados por homens — “porque há mais homens a realizar”. “Por isso é que ainda surgem festivais de cinema de mulheres, que vêm fazer com que haja esta representatividade, para que haja mais espaço e mais visibilidade para as mulheres”, sublinha.
“Esta é uma das revoluções que ainda precisam ser feitas, daí fazer sentido termos um festival que vem dizer ‘não está tudo bem, a desigualdade ainda existe’”, declara, mas defende que para chegar a um público mais vasto é preciso “trabalhar resistências nas pessoas que acham que o Porto Femme é um festival de nicho, ou que, se calhar, é um festival que só interessa às mulheres, quando interessa a todas as pessoas”. “Talvez tenhamos de trabalhar a comunicação de forma a conseguir chegar a essas pessoas que já têm resistências, e a quem seria importante que chegassem as mensagens que alguns filmes trazem”, concretiza.
Contudo, mostra-se otimista sobre o futuro das mulheres no cinema. “Pode ser que um dia deixe de fazer sentido existir o Porto Femme", brinca, e ressalva que, efetivamente, “muitos festivais de cinema já adotaram os 50-50”. “O cinema foi sempre uma arte de elites e acho que também isso começa a mudar”, conclui.
por Gina Macedo
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