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O desporto continua a ser, ainda hoje, um verdadeiro espaço de promoção de valores e de partilha humana. Uma área onde vários jovens se revelam, comprometendo-se com um futuro dedicado quase por inteiro a uma determinada modalidade. Há 60 anos que, no Porto, há um clube que investe no talento para o rugby. O CDUP tem mais de 200 atletas de diferentes escalões, dos 4 aos 40 anos. Todos os anos há atletas que voam mais alto e que se tornam verdadeiras referências para quem agora começa. Esta história podia, simplesmente, começar por “era uma vez um clube que teve um sonho e acreditou que era possível concretizá-lo”.
A realidade (quase) nunca é uma cópia das telenovelas. Neste caso, no entanto, os condimentos do enredo estão todos lá: o jovem António conheceu o novo “companheiro de casa” no segundo casamento da mãe. Com este “novo” padrasto vinha Rodrigo, filho de outra união. Tornaram-se irmãos, não de sangue, mas por afinidade. Com ele chegou também uma nova casa, uma nova vida. Podia ter corrido mal, é certo. O padrasto podia não ter criado a empatia desejada com o enteado. A madrasta podia ignorar os interesses do novo membro da família. Nestas coisas, já se sabe: as telenovelas dão-nos sempre vários finais, muitos deles imprevisíveis. No entanto, o desta família (de segunda viagem) foi, afinal, feliz. Criaram empatia. Partilham casa. Copiaram hábitos. Pouca idade os separa. Um, mais velho, começou mais cedo a aventura no desporto; o outro, mais novo, seguiu o exemplo que viu nascer nesta nova casa.
"Logo no primeiro treino marquei cinco ensaios e pensei que isto era mesmo para mim" — António Craveiro, © Nuno Miguel Coelho
“Sempre joguei para a equipa e nunca para mim próprio.” — Rodrigo Mateus, © Nuno Miguel Coelho
Rodrigo Mateus, o mais possante dos irmãos, a terminar a caminhada nas camadas juvenis, foi o primeiro a descobrir o rugby. Fala com à-vontade de uma modalidade que conhece de cor. Tem hoje 17 anos, metade deles a correr por entre colegas com a bola na mão, à procura dos pontos perfeitos. “Sempre fui muito incentivado, desde novo, à prática desportiva”. O rugby, praticado no Centro de Desporto da Universidade do Porto (CDUP), ajudou-o a desenvolver a entreajuda e a disciplina. “Sempre joguei para a equipa e nunca para mim próprio.”
Uns anos depois, o entusiasmo de Rodrigo contagiou António. “Foi ele que me incentivou a experimentar, gostei e fiquei. Logo no primeiro treino marquei cinco ensaios e pensei que isto era mesmo para mim”, revela o mais novo. Já lá vão uns anos a competirem pelo clube que lhes preenche o coração nos diferentes escalões etários. De perfeitos desconhecidos passaram a irmãos e colegas de equipa – e isto foi quase tão rápido quanto um episódio de uma telenovela.
Na noite de treinos, em que o termómetro baixa a níveis quase negativos, há dezenas de jovens que correm em sentidos opostos. Divide-se o campo do Estádio Universitário do Porto por faixas etárias, que distam poucos metros entre si. Pedro Campos Costa, dirigente do CDUP, reconhece a “ginástica” necessária para criar horários compatíveis para todas as idades. Porque, sem exageros, há mesmo atletas dos 4 aos 40 anos. “Neste momento, estamos com 240 atletas, mas gostávamos de atingir os 300 até ao final da época”, revela.
O Mundial de Rugby realizado em 2023 na capital francesa permitiu que o país acordasse para uma modalidade que, para muitos, é ainda quase desconhecida. A seleção nacional, sem grande história em competições deste género, conseguiu resultados que superaram as melhores expectativas: um empate frente à Geórgia e uma inesperada vitória com a poderosa seleção das Ilhas Fiji. “Superou largamente os nossos melhores sonhos”, sorri Nuno de Sousa Guedes, de 29 anos, um dos jogadores do CDUP que alinhou na seleção.
© Nuno Miguel Coelho
Atualmente, é um dos jogadores-sensação da equipa, um exemplo para os miúdos que, semanalmente, treinam para serem ainda melhores. Nuno joga e treina as camadas mais jovens que, tal como ele, olham com curiosidade o que lhes é ensinado. “Ainda me lembro que, no início, me disseram que isto era como jogar às caçadinhas; agarras na bola e só tens de fugir dos outros”, ri. Logo percebeu que não era apenas isso, que a defesa e o ataque se fazem com mestria, com elegância, sem aquela violência que erradamente se aplica a este desporto. “A regra mais fácil de perceber é que a bola não pode ir para a frente. O que é interessante é perceber como é que a bola vai para trás e se progride no campo.” Sem violência, com respeito máximo pela segurança do adversário.
© Nuno Miguel Coelho
Já passa da hora de jantar, mas, do outro lado da rede, fora do relvado sintético, são centenas os espectadores que, ao frio, acompanham as ordens dentro do campo. “São os pais dos mais novos, que gostam de ver a evolução dos filhos”, diz Campos Costa. Por baixo de um telheiro, são o porto seguro destes jovens atletas, para o bem e para o mal: comemoram quando conseguem a placagem perfeita, procuram ali palavras de conforto quando a jogada não é bem conseguida.
Benjamin Pinto da Costa tem quatro anos, é um dos mais novos a praticar a modalidade. Há um ano que começou os treinos e até já sabe “fazer ensaios”. Ao lado, de sorriso rasgado, o amigo Manuel Malheiro, de sete anos, leva já dois anos por estas bandas. Diz que o rugby “é fixe” e que até gostava de levar isto mais a sério. Quem sabe “ser jogador de rugby”. Quem sabe…
Os sonhos de menino começam precisamente aqui, com esta idade, em campo, a ver os outros jogar. Tomás Marrana é o atual capitão da equipa sénior do CDUP e, aos 24 anos, revê-se nas palavras dos mais novos. “Com 20 anos de rugby no corpo, só posso dizer que os meus grandes amigos se fizeram cá.” Tudo começou por culpa de um tio, que estudou no País de Gales, país que é um dos colossos desta disciplina. “Daí seguiram-se os meus primos, que levaram os meus irmãos e eu acabei por entrar, por arrasto”, resume. Nunca desistiu da paixão, mesmo quando o clube teve de suspender as provas por não preencher os requisitos necessários para competir em estratos mais profissionais.
“Com 20 anos de rugby no corpo, só posso dizer que os meus grandes amigos se fizeram cá.” — Tomás Marrana © Nuno Miguel Coelho
“Por muito que vá pelo mundo fora, nunca se esquece o sítio onde tudo começou” — João Belo, © Nuno Miguel Coelho
“Estamos num período ascendente, de reconstrução da equipa, de captar novos talentos, de conseguir os melhores resultados”, resume Pedro Campos Costa. Passo a passo, lá se vão reerguendo, a vários níveis (no campo e na secretaria), já que muitos dos atletas da fase dourada foram saindo, procurando novos voos, novos desafios.
João Belo, outro dos “lobos” que encheu de orgulho um país colado ao ecrã, regressou à casa que sempre guardou no coração. “Por muito que vá pelo mundo fora, nunca se esquece o sítio onde tudo começou”, desvenda.
No seu caso, a paixão começou mesmo na casa da família. João é filho de um atleta, entrou no clube pelo pai, “sem qualquer interesse”, admite hoje. Começou por entender o desporto como uma brincadeira, uma forma de conhecer novas pessoas, de passar o tempo. As bases de jogo entraram rapidamente no esquema mental. “Começamos a perceber melhor as regras e o benefício deste jogo.” E o foco muda. Teve experiências no Brasil, na Nova Zelândia, em Lisboa. A pandemia fê-lo regressar ao Porto, onde há 20 anos despertou para o rugby. “Foi o clube que me incutiu o rigor, a disciplina e o convívio. É um desporto que nos faz aprender muita coisa para a nossa vida, que nos ensina a encarar qualquer esforço extra como uma recompensa enorme”, admite o atleta.
No final de 2023, o CDUP comemorou 60 anos. Ao longo de várias décadas, foram muitos os atletas que depositaram a confiança neste clube, que revelou desportistas com mais ou menos talento, consolidou um público cada vez mais adepto, atirou para os relvados estrelas que brilharam além-fronteiras.
Pedro Campos Costa sabe que o futuro é incerto, mas a esperança não esmorece. “Ver aqui estes miúdos todos a cultivarem os valores da amizade e união dentro de campo, é algo que nos impulsiona a continuar.” Todas as épocas aparecem novos atletas, “trazidos numa espécie de passa-a-palavra” entre os pais e os mais novos.
É o caso de Marco Vale que, aos nove anos, é uma das mais recentes “contratações”. “Tinha um amigo que gostava muito de aqui vir e inscrevi-me também.” De camisola amarela, cor do clube, símbolo colado no peito, capacete na cabeça, refere que ainda está a conhecer, aos poucos, tudo isto, mas que já tem uma técnica favorita: a tão referida “placagem”.
Marco Vale, @ Nuno Miguel Coelho
Tímido, como que a desviar a conversa para o jogo, diz que gostava de continuar ali. Para aprender mais. Para conhecer melhor. Não se arrepende de ter vindo. E, quem sabe, o futuro não passará pelos campos.
Tal como ele, todos sonham com as bancadas cheias de adeptos, num tempo onde o rugby será quase tão famoso como o futebol. Todos gostam de acreditar nesse futuro onde o nome deles surgirá em tarjas espalhadas pelo estádio, esticadas na horizontal, com o nome a ganhar contornos intergalácticos. Porque, acreditam, mesmo que o caminho seja mais longo, há Cristianos Ronaldos a despontar em várias modalidades.
© Nuno Miguel Coelho
por José Reis
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