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Os degraus verticais da escalada no Porto
Um desporto em crescimento, dentro e fora e portas
Reportagem MAI

A escalada enquanto forma de desporto existe já desde o século XIX. Originalmente uma prática quase aristocrática, a sua democratização progressiva levou a uma explosão de popularidade nos anos 80 e 90. Em Portugal, a ausência de grandes montanhas não ajudou a semear interesse na modalidade, mas desde a pandemia que o crescimento da escalada tem sido vertiginoso. Fomos conhecer dois ginásios de bouldering* na cidade, e acompanhámos praticantes de escalada nas serras que rodeiam o Porto.


*modalidade de escalada praticada em pequenas formações rochosas ou paredes artificiais

O quintal mineral do Porto

Porto Climbing

Nuno Topas Gonçalves conversa com alguém abaixo de si, com as pontas dos dedos branqueadas por magnésio em pó, numa parede rugosa de rocha que é como um parceiro de dança a quem encosta o rosto. A pose é leve e natural, como uma cabra montanhesa que parou a meio da subida para ver a paisagem. O fundador do grupo Porto Climbing identifica-se como pertencendo a uma “segunda geração” de escaladores – não porque os seus pais tenham praticado a escalada, mas porque aprendeu a técnica com uma primeira vaga de escaladores que procurava nos países da Europa Ocidental as lições de uma modalidade imbuída de respeito pelo mundo natural.


“Aprendi com um grupo de amigos que descobriu nos Escuteiros um interesse pela escalada, mas cedo partiram para fundar algo focado só na modalidade. Era o Núcleo de Montanha de Espinho, criado no final dos anos 90, mas eu só me juntei a eles em 2001”, recorda Nuno. Desde então, já fez a sua própria formação nos países europeus de tradição montanhista, mas continua a defender que o que mais o assiste agora, enquanto guia das excursões de escalada da Porto Climbing, é o seu background como professor de Educação Física: “é preciso saber como aconselhar, como garantir a segurança para quem está a praticar pela primeira vez”.

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© Guilherme Costa Oliveira

Além disso, afirma, com orgulho, que “o primeiro estatuto [do grupo] é o de promover e divulgar os desportos de montanha, e o segundo é o de sensibilizar as pessoas a saber estar no monte, em equilíbrio, não sujar. Aliás, deixar mais limpo – ainda hoje, antes de começarmos a escalar, estivemos a juntar lixo que foi deixado por alguém que veio para aqui fazer um piquenique.”

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© Guilherme Costa Oliveira

As saídas da Porto Climbing acontecem nas imediações do Porto. O extenso pulmão das serras em Valongo está munido de faces rochosas ideais – a Senhora do Salto, o Parque das Serras do Porto e a Serra da Boneca. Esta zona tem, também, uma diversidade geológica que permite diversos perfis e texturas de faces rochosas: “tão depressa encontramos xisto como granito ou quartzito. Apenas temos de começar a rumar mais a sul para encontrar calcário.” Além destas zonas na área metropolitana, as excursões vão também frequentemente a destinos como a Serra da Freita, no distrito de Aveiro, e a Serra d’Arga, no distrito de Viana do Castelo. Para quem estiver interessado em participar, “o preço é de 30 euros por pessoa, mas já inclui o seguro e todo o equipamento: capacete, arnês, cordas, magnésio”, sendo que é sempre recomendável trazer os próprios pés-de-gato – uma sapatilha especial para escalada, pontiaguda e de sola curva, e habitualmente usada uns dois ou três tamanhos abaixo do número habitual.


Para além das saídas individuais – ocupando sempre meio dia ou um dia – há a possibilidade de fazer o curso de lead climbing, uma forma dos praticantes ganharem autonomia na escalada, aprendendo a fazer uso de todo o equipamento, e a fazer uso das guias de aço cravadas na rocha por quem desenha estas rotas, prendendo a corda à medida que escalam, permitindo, assim, uma subida segura e uma descida fácil a quem vier a seguir. Esta autonomia, no entanto, é sempre relativa. Nuno realça a componente social deste desporto, dependendo de haver sempre um praticante, no chão, a dar a segurança de um contrapeso do outro lado da corda, caso haja algum deslize.

Ainda assim, diz que o que o atrai na escalada não é a adrenalina: “o pessoal pensa que é só força, mas não é. Há muito de equilíbrio, de destreza, e um importante lado mental: põe-te em situações desconfortáveis, e obriga-te a fazer problem solving [resolver problemas], a encontrar formas e estratégias de superar a transição de uma posição para outra.” Esta dimensão de superação é unânime entre os praticantes que acompanhámos nesta tarde soalheira de domingo. Lourenço, na primeira lição do curso, admite que tem vertigens, e sente que praticar o tem ajudado. Monique, praticante há dois anos, sublinha que “fica cada vez mais fácil subir à medida que se melhora a técnica, que se encontra o equilíbrio” no que admite ser uma espécie de “ioga contra a rocha”. E Rita destaca o lado completo do desporto, uma vez que trabalha diversos grupos musculares.

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© Guilherme Costa Oliveira

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© Guilherme Costa Oliveira

Um muro na Via Norte

The North Wall

Reportagem MAI

© Rui Meireles

Um ginásio de bouldering, que significa “rochedo”), à primeira vista, parece uma espécie de parque de diversões. Grandes colchões são ladeados por paredes e estruturas improváveis, com ângulos e esquinas que se assemelham a um exercício de Geometria particularmente desafiante. Estas estruturas estão pontilhadas por “presas” (pequenas protuberâncias em fibra de vidro) com todas as cores do arco-íris. Mas aqui, um olho treinado vê mais do que salpicos de cor – cada matiz indica um desafio: quem optar pela rota laranja (dificuldade média) apenas se poderá apoiar nas presas com essa cor.


Um dos primeiros ginásios deste tipo a abrir na cidade do Porto foi The North Wall, a 5 de maio de 2021 – em plena pandemia. Nuno Santos, um dos sócios fundadores, mudou-se para o Porto vindo de Leiria pelas melhores razões: “apaixonei-me por uma gondomarense”. Chegado aqui, reparou que não havia quase nenhuma oferta para escalada indoor, tendo que treinar com o CEM – Clube de Escalada da Maia. Esta é uma das organizações ancestrais da disseminação da escalada em Portugal, mas conforme Nuno indica, “é um clube reservado apenas a sócios”. “Em Lisboa já havia muita oferta aberta ao público para a escalada, mas aqui era um mercado que claramente ia estar em crescimento.”

Esse crescimento verificou-se e “todos os dias têm clientes novos que aparecem para experimentar”, e as razões que Nuno encontra são simples: “uma das grandes vantagens da escalada é que estamos a trabalhar o corpo inteiro quase sem nos apercebermos enquanto num ginásio típico estamos numa máquina de cada vez para trabalhar zonas diferentes”. A par disso, como é habitual neste tipo de ginásios, as rotas definidas pelas presas são alteradas todas as semanas, introduzindo variações nas rotinas de quem pratica. Este leque de possibilidades é exponenciado por um armazém com um pé direito de 9 metros: “foi o armazém mais alto que conseguimos encontrar, mas estamos à procura de algo com ainda mais espaço.”


Hoje, o North Wall detém a distinção de ser o único ginásio da cidade onde é possível escalar com corda, algo valorizado por quem faz a migração da prática dentro de portas para a escalada no exterior. Nuno estima que apenas cerca de 30% dos seus clientes façam essa migração para fora de portas, sendo que as vantagens mais imediatas são não estarem dependentes da meteorologia, e poderem fazer uma prática de tempo reduzido, após o trabalho. Também é possível encontrar no North Wall uma kilter board – um salto digital numa modalidade inerentemente analógica: trata-se de uma parede mecânica com inclinação variável, e com presas que acendem para identificar a rota-desafio a trepar.

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© Rui Meireles

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São Roque “rocka” forte

São Rock Climbing

Luísa Xavier, natural de Ouro Preto, Brasil, chegou ao Porto já com uma rocha debaixo do braço. Mudou-se para o Porto para fazer um mestrado em Educação, escolhendo como tema “Escalada como espaço de educação, cidadania e participação política”. Já adepta da escalada em Ouro Preto, uma referência mundial na modalidade, não encontrou na zona do Porto uma prática fácil fora de portas: “aqui chovia muito, e acabava por ter de ir a Lisboa várias vezes para fazer escalada”. Assim, surgiu-lhe a ideia de colmatar essa lacuna abrindo o seu próprio negócio.


Além dos sócios que encontrou para fundar o São Rock Climbing, encontrou também “dois sócios emocionais” que sempre apoiaram o projeto: o senhor Joaquim, o mecânico no armazém ao lado, e a Maria José, a senhoria do armazém do São Rock, que “no dia da abertura, trouxe umas quiches para vendermos. Afinal, tínhamos de ter dinheiro para pagar a renda! (risos)”. A abertura aconteceu no início da pandemia, apenas um par de meses antes do The North Wall abrir. Luísa recorda que não recebia muitos turistas nessa altura, sendo, sobretudo, público local, e que isso “trouxe um ambiente familiar, potenciado também pelo senhor Joaquim e pela dona Maria José, que ainda hoje se nota que persiste, mesmo vendo as avaliações escritas no Google”.

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© Guilherme Costa Oliveira

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© Guilherme Costa Oliveira

A maior surpresa, após a abertura, foi ver a quantidade de artistas que usavam o espaço: “mais tarde explicaram-me que o Porto tem uma cena artística muito ativa, com imensos coletivos de artistas”. Talvez também isso tenha contribuído para começarem a usar as (poucas) paredes não-escaláveis para receber exposições, maioritariamente fotográficas.


Um ano após a abertura, a tese de mestrado de Luísa é o mote para acompanhar, em 2018, a preparação de atletas para os Jogos Olímpicos de 2021, em Tóquio – a primeira vez em que o bouldering entra como modalidade olímpica. Ao entrevistar os atletas, todos pareciam partilhar a mesma preocupação: que a homologação como modalidade olímpica pudesse trazer uma dimensão estranha à escalada: a competição. “Apesar de a escalada ser individual e tu teres toda a responsabilidade pela tua performance, este é um desporto muito comunitário”, ressalva Luísa.

Mas a competitividade não aparentou danificar este cariz alegre e partilhado da escalada. Tanto que, hoje, o São Rock é a casa-mãe do PICO – Porto International Climbing Organization, um clube com atletas federados da modalidade de bouldering, tendo sido formado em parceria também com outros ginásios. Entre os atletas que integram o PICO está Sofia Cabaço, que em março deste ano foi distinguida como Esperança Olímpica pelo Comité Olímpico de Portugal – uma distinção que inclui apoio financeiro para o desenvolvimento do seu potencial.


Sofia, natural de Braga, já tinha experimentado o ballet e a ginástica, mas nenhuma dessas modalidades se aproximou do fascínio que a escalada exercia. Para ela, é fácil apontar o que a agarrou: “aquele momento de criatividade, de escolher para onde é que eu vou. Perceber onde me posso agarrar e fazer força para passar para a próxima posição; gosto desse lado mental”. Já conhecia o São Rock através da competição anual do espaço, o São Bloc, apoiado pela Ágora. Surgiu pouco depois a oportunidade de integrar o PICO e treinar com o André Rainha – companheiro de Luísa Xavier e também fundador da Creme, empresa de fabrico de presas em fibra de vidro. Os objetivos futuros são claros, e fazem aflorar na cara de Sofia um sorriso rasgado: “os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 2028. Já vou ter idade para competir!”

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© Guilherme Costa Oliveira

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© Guilherme Costa Oliveira

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