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Num local onde tudo se pode encontrar, o que vale a pena levar para casa? No meio de um verdadeiro mundo sem fim, como saber o que comprar e porquê e para quê comprar? Numa destas manhãs frias de sábado, bem cedo, para podermos encontrar as melhores oportunidades, colocamo-nos perante o desafio: ir à Vandoma com apenas 20 euros no bolso. A ideia era sairmos de lá com propostas interessantes, mas que não ultrapassassem este valor. Entre conversas e negócios, as oportunidades que aqui apresentamos foram descobertas por entre minutos de 'tagarelice' com quem, semanalmente, faz deste local um ponto de encontro – e um ritual na agenda. A Feira da Vandoma decorre todos os sábados, entre as 08h00 e as 13h00, na Avenida 25 de Abril, em Campanhã.
Mini-fogão a petróleo
Mini-fogão a petróleo (15 euros)
José Cunha tem 67 anos e todas as semanas, de forma quase religiosa, desloca-se de Rio Tinto para participar na Vandoma. É assim desde 1982, “quando ainda se realizava na Sé”, diz-nos. Hoje mantém a tradição, “mais por passatempo” e como forma de despachar “as coisas que há lá em casa”. A avaliar pela banca, são muitas, variadas e a preços que não assustam os mais desprevenidos. Com 20 euros no bolso, a sugestão é simples: “este mini-fogão a petróleo, muito antigo, que ainda funciona”. Uma miniatura para responder a necessidades mais urgentes.
José Cunha e o mini-fogão a petróleo
Relógio antigo de bolso (5 euros)
Conta os meses, um a um, até chegar ao número mágico: 67 anos e 7 meses. “Estou com 65 anos, ansioso por chegar a essa idade”. Adelino Barros, residente no Porto, anseia a tão desejada reforma, mas, até lá, vai fazendo da Vandoma o local onde vai “tirando o rendimento necessário para o resto dos dias”. Além disso, desloca-se “pelo convívio”, pela partilha de histórias com quem passa. Como a dos relógios de corda e de pilhas que vende a preços apetecíveis. “E os mais novos até procuram cada vez mais os relógios de bolso”, como este que Adelino escolheu para esta rubrica.
Adelino Barros
Conceição Barbosa
Pote de barro tradicional (10 euros)
Aos 68 anos, Conceição Barbosa, de Arcozelo, ainda tem a força de acordar cedo, todos os sábados, para rever as amizades que criou na Vandoma. Há 15 anos que é assim. Com o marido, traz os objetos que não usa, que estão a mais lá em casa, e vende-os a quem lhe promete dar uma nova vida. “Continuo a cá vir porque ainda se faz uns trocos que ajudam às despesas lá de casa”, admite. De roupa a acessórios de moda, de objetos mais ou menos úteis, Conceição diz-nos que este pote de barro, “ideal para servir sangrias no verão”, é um bom negócio. E nós acreditamos.
Cassetes originais de autores portugueses (1 euro)
No chão, há música para todos os gostos. Em português, grande parte dela tradicional, “mas sem ser pimba”. Há nomes como a da fadista Fernanda Maria, do portuense caído no esquecimento Eduardo Alípio, do famoso Marante, ícone das gerações mais novas. “Comecei na Vandoma ainda antes do 25 de abril, em 1972, era eu uma catraia”. Maria Ribeiro, de 69 anos, é aquela figura típica que ganhou lugar cativo na feira. Ainda se lembra do tempo em que os mais novos iam à feira “para conseguir mais um dinheirinho para as despesas”. Hoje não falha uma. “Porque adoro isto, adoro as feiras de velharias, adoro as pessoas”. E adora essa música que, para ela, não deve cair no esquecimento.
Cassestes de Maria Ribeiro
Moinho manual de café
Moinho manual de café (15 euros)
As histórias de quem se junta, todos os sábados, na zona mais oriental da cidade, dava para construir a identidade desta feira. A de Fernando Familiar é mais uma. Tinha uma empresa que fechou e, por necessidade económica, decidiu experimentar a Vandoma, depois da mulher ter aberto o caminho. “Tinhas coisas antigas, excedente que sobrou da empresa, e comecei a trazer para cá”, revela. Com o tempo, ganhou o gosto aos objetos antigos e começou, também ele, a comprar para voltar a vender. “Vai dando para manter as despesas do dia a dia”. ‘Oferece-nos’ um moinho manual de café por 15 euros, um utensílio em boas condições, porque, admite, “o que é manual nunca avaria”.
Fernando Familiar
Candeeiro vintage de cobre (20 euros)
O estilo antigo está na moda, dizem os especialistas, e o segredo é misturá-lo com um tom mais moderno. Maria Brito, de 52 anos, tem no seu local de venda produtos que se adequam a esta tendência. Sem rodeios, confessa que encontrou na Vandoma “a saída para pagar as contas de casa, numa altura em que passou por grande necessidade”. Hoje, com 16 anos de presença semanal assegurada, é encontrá-la por entre objetos do tempo das nossas avós, que se tornaram kitsch e modernos, ao mesmo tempo. Como este candeeiro de cobre com marfinite, que representa a força da mulher.
Maria Brito e o candeeiro vintage de cobre
Domingos Costa
Disco de fado de Artur Batalha (5 euros)
Há 30 anos que Domingos Costa, com uns vivíssimos e surpreendentes 77 anos, tem um ritual: “às 5 da manhã [de sábado] juntamo-nos ali num café acima, para tomar o pequeno-almoço, antes de virmos para baixo”. Natural de Braga, há muito que a trocou pela cidade mais a sul. Vive no Porto e não a reconhece já sem a Vandoma. Sempre no ramo da venda de discos de vinil, procura material raro que vai, depois, revender a novos melómanos. “Se vale a pena? Bem, vale sempre a pena”, admite. Mais não seja pelo convívio, pelos clientes habituais que educou com a música que partilha. Como é o caso do legado de Artur Batalha, que escolheu para esta reportagem.
Disco de Artur Batalha
Texto de José Reis
Fotografias de Guilherme Costa Oliveira
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