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Quase optou por estudar escultura, mas decidiu fazê-lo a uma escala maior. A arquitecta Rita Topa, natural de Santa Maria da Feira e formada na Universidade Lusíada do Porto, atravessou metade do planeta para prosseguir o seu percurso profissional no Japão. A circum-navegação completa-se com o projeto de reabilitação do antigo Matadouro, que será transformado num centro cultural, assinada pela sua equipa, do estúdio japonês do arquitecto Kengo Kuma, e em parceria com o estúdio portuense OODA. A Agenda Porto falou com ela sobre este novo projeto da cidade.
A vontade de experiência internacional esteve presente desde o início, durante a licenciatura. Olhando para todo um globo de possibilidades, Rita não queria “mais do que em Portugal já tinha”, pelo que o mundo ocidental ficou de parte. Contudo, dentro das latitudes mais distantes, havia uma com alguns pontos de contacto: “sempre tive um certo fascínio pela arquitetura japonesa, até porque eles trabalham a luz de uma forma muito semelhante à nossa, e porque a meteorologia não é assim tão diferente”. O momento em que toma a decisão de estudar no Japão acontece muito perto da hora certa: encontra uma bolsa da embaixada japonesa em Portugal que estava prestes a fechar candidaturas.
É aceite num mestrado na Universidade de Yokohama, onde se afeiçoa à prática experimental em arquitectura japonesa: “mesmo entre alunos, costumávamos desafiar-nos a fazer pequenos projetos-exercício entre nós, mesmo fora do âmbito escolar”. É neste contexto que conhece o conceituado arquitecto Kengo Kuma, ao participar num concurso em que ele faz parte do júri. Rita fica classificada em segundo lugar, mas recebe um convite para se juntar à equipa – à altura, seria a primeira arquitecta portuguesa no estúdio, que, entretanto, passou a contar com mais quatro arquitectos portugueses.
© DR
Rita fala de “uma integração fácil” no novo país, sendo que “eles aqui têm muitos dias de sol, e ótima comida”. “Acho que seria mais difícil integrar-me num país nórdico, na Europa”, diz. Defende, aliás, que os processos de trabalho sempre pareceram naturais – afinal, foi no Japão que começou a praticar arquitetura, depois de se formar: “diria, até, que o choque cultural acontece quando começamos aqui no estúdio a trabalhar com equipas portuguesas”, sendo que o primeiro projeto em Portugal foi o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, em Lisboa.
O mais recente a ser realizado é o projeto de reabilitação do Matadouro, no Porto. O ponto de partida acabava por ser mais familiar ao estúdio nipónico do que o expectável. “Quando o Matadouro foi construído, em 1930, não havia nada nas imediações, era tudo verde. Mas hoje é um complexo ao abandono numa envolvente caótica: está rodeado por habitação, debaixo de uma via rápida e junto a um estádio. Há uma série de tipologias que quase nos remete para o contexto asiático, para um sprawl [expansão descontrolada] urbano desenfreado.”
© EMERGE: Mota-Engil Real Estate Developers e M-ODU: Matadouro, Outro Destino Urbano
© EMERGE: Mota-Engil Real Estate Developers e M-ODU: Matadouro, Outro Destino Urbano
Assim, o maior desafio do projeto seria encontrar uma forma do edifício se relacionar com o que o rodeia: “para esta integração no contexto urbano podes ter uma aproximação de ‘explosão’ – como aconteceu com a Casa da Música, em que as imediações são abertas para criar toda uma praça nova –, ou podes fazer uma abordagem de ‘inclusão’, procurando coser as diversas tipologias entre si”. Desta forma, o novo projeto ataca em diversas frentes: o muro que ocultava a entrada é derrubado e uma passagem pedonal é criada para ultrapassar a VCI e fazer ligação ao estádio. Mas, além destes vectores, a cobertura que é desenhada sobre a zona central do Matadouro pretende “criar uma nova escala em relação à VCI e ao Estádio do Dragão, enquanto transmite unidade a um espaço que é composto por vários edifícios”.
Neste momento, essa cobertura, com o seu “rendilhado” de painéis que permite a penetração da luz numa praça central, é plenamente visível para quem circula na VCI – assumindo desde já outro papel importante: ser uma referência para quem circula no Matadouro, nunca perdendo de vista onde está o centro do complexo. “Alguns pilares da cobertura chegam mesmo a intersectar os edifícios existentes, o que literaliza esta ideia de unir os diversos programas do complexo.”
© EMERGE: Mota-Engil Real Estate Developers e M-ODU: Matadouro, Outro Destino Urbano
Rita fala-nos, também, de uma vontade de preservar a traça original onde é possível – reforçaram os edifícios existentes mas mantendo a materialidade da pedra nos seus interiores, os ornamentos das aberturas foram reproduzidos, e na grande nave central os trilhos aéreos de transporte das mercadorias são mantidos. Assim, diz, valorizam-se "testemunhos de um passado num complexo pensado para o futuro da cidade".
Quanto a regressar ao país de origem, a arquiteta defende que, em boa verdade, não se sente desligada da prática portuguesa: “temos tido vários projetos em Portugal. E sinto que hoje trabalhamos em rede, sem fronteiras, de uma forma mais livre. Sinto-me portuguesa, mas mesmo que estivesse em Portugal não veria isso como uma limitação geográfica. Acredito que temos potencial para trabalhar a nível global, trazendo novas soluções.”
© EMERGE: Mota-Engil Real Estate Developers e M-ODU: Matadouro, Outro Destino Urbano
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