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No mês em que se celebra o Dia Mundial da Rádio, conversámos com Rui Tukayana, repórter, podcaster e um verdadeiro caçador de histórias. Durante 20 anos, foi jornalista na rádio TSF, onde ainda é editor do Mundo Digital, um programa diário dedicado às novas tecnologias. Em 2019, criou o canal de YouTube Isto Está Ligado?, também sobre a mesma temática, e desde setembro de 2024 apresenta Porto no Ponto, o podcast diário sobre a cidade do Porto, onde “há espaço para tudo, desde a agenda cultural até à economia, passando pelo ambiente, inovação, sociedade e notícias da atualidade”.
Rui anda sempre atrás de boas histórias, e não foi por acaso que escolheu o Café Dona Mira, no Bonfim, para a conversa com a Agenda Porto; é que descobriu que o seu proprietário, Carlos Fuchs, músico, produtor musical e engenheiro de som, ganhou um Grammy em 2023, e queria entrevistá-lo. Era um encontro que prometia, portanto, ser um “dois em um”.
Nascido em Angola, saiu do país com apenas seis meses de idade, carregando consigo uma história “muito marcante”. Cresceu em Aveiro e aos 18 anos entrou na Escola Superior de Jornalismo, no Porto, altura em que iniciou os movimentos pendulares entre as duas cidades, primeiro de comboio e depois de automóvel. “Devo ter um dos maiores recordes de viagens entre Porto e Aveiro!”
Tukayana e Carlos Fuchs © Rui Meireles
Apesar de querer ser jornalista, também imaginou outras carreiras: “se as coisas me corressem muito, muito bem, eu poderia ter sido músico, porque eu tinha uma banda e cheguei a ganhar um prémio de música. Mas depois cheguei à conclusão que ser jornalista durante o dia e rockstar à noite não ia resultar”, ri-se.
A primeira recordação que tem “do Porto a ser Porto” aconteceu numa tarde quente de agosto na R. de Passos Manuel. “Estava a subir a rua e ultrapassei uma senhora de cerca de 80 anos, que vinha com dois sacos, com um ar muito pesado, muito cansado. Na altura, vendiam-se ali livros e uma vendedora perguntou-lhe: 'Está calor, não está?', e ela respondeu com um sonoro 'f*da-se!’” — E eu adorei aquilo, porque não estava à espera de uma senhora de 80 anos dizer assim um palavrão tão sonoro, e achei um piadão”, recorda, divertido.
A rádio entrou na sua vida com um estágio na TSF, em 2003. “O estágio, de três meses, era com o João Paulo Meneses que, precisamente a meio, me diz ‘por mim, este estágio acaba já! Tu não tens hipótese nenhuma, isto não está a correr nada bem’ — mas a verdade é que ele me aturou o resto do estágio, e eu gostei muito; chamo-lhe ‘mestre’ porque ele foi um mestre para mim.”
© DR
A primeira reportagem que faz para a TSF é enquanto correspondente em Aveiro, durante o Euro 2004. “Quando fui estagiar para a TSF foi porque era a rádio que gostava mais de ouvir, e achei que podia aprender muito lá, mas não havia muitas oportunidades, pelo menos para mim, mas depois tive a oportunidade de ser correspondente em Aveiro, e este caminho foi-se fazendo.”
Também o seu “vício” por tecnologia, que começou ainda em criança com um computador Spectrum, oferecido pelo pai, e o seu “dedo tecnológico”, como diz, em tom jocoso, permitiram-lhe que ficasse à frente do programa dedicado às tecnologias, Mundo Digital, que a TSF lançou em 2007 e que depois também virou podcast. “É um programa diário sobre tecnologia de consumo, aquelas pequenas coisas, não falo de satélites; na altura, não havia mesmo nada que se parecesse com aquilo. E ainda hoje o faço com gosto.”
Depois de duas décadas na sua rádio ‘do coração’, o ano passado, o futuro da TSF não se adivinhava “brilhante”, e o canal que tinha criado no Youtube sobre tecnologia já lhe proporcionava “um rendimento interessante,” mas “não tinha muito tempo para se dedicar a ele”. É então que decide “pensar no futuro” e começar “a abraçar coisas novas”. E é precisamente quando surge a oportunidade de apresentar o podcast do município Porto no Ponto.
“O Porto é muito engraçado, e eu tenho uma boa margem para fazer aquilo que entender em termos de assuntos”, assegura Rui, que vai tropeçando em muitas histórias. “Hoje, temos as redes sociais onde elas nos aparecem à frente, ideias novas, pessoas a fazerem coisas absolutamente novas.”
E o que é uma boa história? “É uma mistura de coisas, porque há [um assunto] que pode ser bom em potência, e nós não termos a sorte ou o engenho, ou as duas coisas, de transformar aquilo num programa de rádio, num episódio interessante. Às vezes estamos mais desinspirados”, admite. “Mas uma boa história é algo que me satisfaça a mim enquanto ouvinte”, defende.
Dentre os episódios favoritos de Porto no Ponto, recorda a conversa com o coveiro do Cemitério do Prado do Repouso, que revelou casos insólitos, “de situações de pancadaria”, nomeadamente quando “morre um senhor, mas vem a mulher e a amante; às vezes, mais do que uma amante”. “Disse-me que a última vez que presenciou [uma situação dessas] foi há mais de 10 anos, no funeral de um jogador de futebol.”
Rui lembra, também, outro episódio que gostou muito de fazer e que resultou de uma ida ao supermercado: “A minha namorada diz-me que o salmão fumado para que eu estava a olhar se faz aqui no Porto. Eu pensei automaticamente que isso dava uma reportagem. O Porto é a única cidade em Portugal que tem uma fábrica de salmão fumado. O dono aprendeu com o avô, que era alemão”, conta.
Este podcaster diz que prefere os episódios que “‘levam’ as pessoas mais genuínas”, recordando, a propósito, o episódio sobre um amolador de facas alentejano que percorre o país de bicicleta: “Eu duvido que o Joaquim ainda esteja no Porto, já foi há algum tempo, não sei onde é que ele andará, mas é um senhor com um ar perigoso, assim mais rude, mas é um amor, muito simpático, e foi por acaso que o descobri. Estava em casa, ouvi o som [da flauta] do amolador e pensei que daria uma bela reportagem. Desci o prédio e quando cheguei à rua já não o vi; ainda tive de andar a perguntar às pessoas por ele, mas lá o encontrei...” — Esta é apenas uma entre muitas “personagens castiças” com quem Rui tem falado e a que acha “piada” trazer para o podcast.
“Gente mais simples, que tem expressões engraçadas, e que tem uma série de coisas que tornam o episódio mais interessante”, sustenta.
© Rui Meireles
Em quatro meses de Porto no Ponto, Rui já descobriu e partilhou dezenas de histórias que mostram o lado mais castiço e surpreendente do Porto. E garante que vai continuar. É muito provável que o encontrem por aí de microfone em riste, pronto a captar novas histórias que ligam as pessoas à cidade.
© Rui Meireles
por Gina Macedo
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