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Protagonistas de Bastidores
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Protagonistas de Bastidores

No Rivoli, há muitas pessoas a trabalhar atrás da cortina ou até por baixo do palco. Fica a conhecer dois dos cuidadores mais antigos deste teatro. 

O homem dos sete ofícios do Rivoli

Se de certas pessoas se diz que são a alma de uma casa, de outras poderá dizer-se que são o coração – esse órgão musculoso. A história de vida de Francisco Choupina, técnico de manutenção, funde-se há 26 anos com a história do Rivoli. “Aqui é o subpalco, mas cá em baixo [aponta para chão] há outra galeria onde temos 15 mil litros de gasóleo para as caldeiras, águas sanitárias, aquecimento do edifício e gerador de emergência.”

Choupina leva-nos às entranhas do Teatro que celebra, este mês, 92 anos. “Fazemos estes trabalhos de manutenção que ninguém conhece; toda a gente anda aqui em cima e não sabe o que está por baixo”, diz, orgulhoso do seu mister. “Todo o edifício é controlado por mim. O sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado está aqui; chamamos-lhe a central térmica, e é onde passamos a maior parte do tempo”, explica, ao entrarmos numa sala cheia de máquinas e de tubos.


“Aprendi a minha arte toda em Paris.” Tinha 17 anos quando chegou à Cidade das Luzes, onde viveu mais de uma década. Foi responsável por construir as maquetes dos hotéis desenhados por engenheiros e arquitetos americanos que eram, depois, construídos no parque da Disney. Regressa a Portugal e, em agosto de 1997, entra para o Rivoli. É o funcionário mais antigo da casa.

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© Rui Meireles

Electrocarpintopicheleiro


Já fez som e luz (“no tempo do La Féria”), foi técnico de maquinaria, e ainda hoje acumula os ofícios de carpinteiro, marceneiro, serralheiro, canalizador e eletricista. Em tempos, alguém o apelidou de electrocarpintopicheleiro. Geradores, caldeiras, bombas a gasóleo e uma parafernália sem fim. Tudo está sob o olhar atento de Choupina. “O meu trabalho consiste na manutenção da estrutura do edifício, dos equipamentos todos e, também, no apoio às companhias com cenários e com tudo o que for preciso.”


Choupina frisa que “têm sido feitas melhorias, sobretudo na iluminação; antigamente, usavam-se lâmpadas com bastante consumo e agora temos o edifício quase todo a LED”, e, ao passarmos num longo corredor pintado de fresco, comenta, com brio, “andamos a pintar isto, está bonitinho, e temos de conservar”.

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© Rui Meireles

Subimos ao sexto andar até à oficina maior do Rivoli, mas antes atravessamos uma sala ampla onde, ao centro, está uma mesa de pingue-pongue. “Há 20 anos, fiz esta mesa para o pessoal relaxar um bocadinho, jogar aqui umas partidas”, conta.


Não é invulgar ser convidado para “colaborações criativas”, como aconteceu com a cadeira in situ da artista Ana Isabel Castro, pelo 89ª aniversário do Rivoli, durante a pandemia de Covid-19. As peças de cadeiras antigas e danificadas do Grande Auditório deram origem a uma “nova cadeira velha”. (…) A sua deterioração foi coreografada; o seu envelhecimento ficcionado. A cadeira foi devidamente manipulada, lixada, envernizada e perfurada por brocas travestidas de bichos [da madeira] (…)*. Agora, Choupina foi desafiado a construir os expositores para as agendas impressas da Agenda Porto.



*Ana Isabel Castro em “Bicho”, Cadernos do Rivoli, Volume 7.

Histórias que (não) se podem contar



Ao longo de quase três décadas de casa, são muitas as histórias que Francisco Choupina coleciona. “Algumas não se podem contar”, diz, trocista, mas acede a partilhar connosco dois episódios: “Tenho uma história com a Teresa Guilherme, de uma vez que estava a atuar no Pequeno Auditório. De repente, a mesa de som avariou e começou a fazer um som horrível; enquanto resolvíamos o problema, ela virou-se para o público e disse: – Aguardem um bocadinho que o navio está a passar! – O público riu e foi uma forma engraçada de dar a volta à situação. A mesa de som fazia um ruído que, realmente, parecia um barco”, garante.


Já a outra história mete muita água e podia ter tido um final dramático. “Há muito tempo, o Camané estava a atuar no Grande Auditório, a sala estava lotada; eu já tinha saído do edifício, mas ainda estava próximo, quando a técnica de vídeo me contactou a dizer que havia uma rutura de água na régie. A cabine estava toda inundada e o espetáculo já estava a decorrer. Cheguei e consegui fechar a água; toda a gente dizia para pararmos o concerto, mas apelei à calma. A água a escorrer parecia um chuveiro. Consegui desviar as águas ao máximo para não escorrerem para o Grande Auditório, mas a água era tanta que acabou por ir. A sorte foi que só começou a escorrer pelas paredes do Auditório quando o espetáculo terminou, estava já o público a levantar-se, a bater palmas e a sair. Foi tudo ao segundo. Foi por pouco, mas ninguém se apercebeu.”

Há fadas no Rivoli

Quem já foi ao Teatro Rivoli já viu, certamente, a obra de Fátima Andrade e das suas colegas de equipa: o mármore do chão do átrio a brilhar como um brinco, a alcatifa vermelha do Grande Auditório irrepreensivelmente aspirada ou as centenas de cadeiras impecavelmente limpas. 

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© Rui Meireles

Vemo-la passar, passo apressado, acompanhada do seu “franjas”. Fátima não é atleta, mas já terá corrido muitas maratonas no Rivoli ao longo de quase 23 anos. Percorrer o edifício de sete pisos de uma ponta a outra durante todos estes anos é somar centenas de quilómetros. Tinha 26 anos quando começou a trabalhar como técnica de limpezas; passou a responsável de serviço há quatro. “É uma vida!”





Coordena uma equipa de oito mulheres que se dividem em dois turnos que, diariamente, asseguram a limpeza do átrio, do restaurante, das casas de banho e dos pisos de escritórios, além dos dois auditórios, do palco e do subpalco, dos camarins, dos longos corredores e das dezenas de lanços de escadas e demais divisões. 


Assegura que “não há espaços difíceis de limpar, apesar de ser um edifício muito, muito grande”. “Uns dias está pior, outros dias está melhor”, diz, mas admite que, “se calhar, é o Grande Auditório que dá mais trabalho; demora entre uma hora e meia a duas horas a ser limpo”. 

Fátima é, também, espectadora do Rivoli. “No tempo do La Féria, vim ver quase todos os espetáculos, depois já vim algumas vezes; gostava de vir mais, mas não tenho tempo.” Perguntamos se quer partilhar com a Agenda Porto uma história divertida. “A nossa diversão aqui são as vassouras!”, atira, a rir.

“Mãos invisíveis”

O trabalho de limpeza só é visível quando aparece por fazer. “Quando está tudo impecável, ninguém se lembra que houve muito trabalho por trás, mas há sempre muita gente por trás.”



Andrade não é a única Fátima da equipa de limpezas. Natural de Paranhos, Fátima Gonçalves trabalha há 24 anos no Rivoli. Recorda “os espetáculos mais difíceis de limpar". “Os espetáculos com terra, com areia, com arroz, com esferovite... Isso dá muito trabalho. O esferovite, a gente corre atrás dele e ele foge; o arroz, na altura, o Auditório teve de ser aspirado de gatas", conta.

por Gina Macedo 

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