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A Porto Summer School on Art & Cinema, uma iniciativa da Escola das Artes da Universidade Católica criada em 2018, regressa este ano entre 30 de junho e 4 de julho.
Sob o tema "Technology/Transformation", além de um conjunto de workshops com artistas convidados, terá lugar um programa público, de entrada livre, com sessões de cinema, conversas, exposições e concertos. Falámos com o diretor da Escola das Artes, Nuno Crespo, sobre a edição deste ano.
Agenda Porto: O que é que motivou a criação da Summer School?
Nuno Crespo: Sentimos necessidade de fazer um programa que mostrasse à cidade, fora do contexto universitário, o que é que nós andamos a fazer durante o ano letivo. E surgiu esta ideia de, por um lado, ter uma semana de formação com pessoas que vêm de muitas origens geográficas diferentes; por outro lado, achámos que era interessante, uma vez que já que tínhamos cá estas figuras relevantes do mundo da arte e da cultura internacionais, fazer um programa público gratuito para a cidade do Porto. Porque isso faz parte da maneira como nós entendemos o projeto da Escola das Artes — um projeto que também tem que devolver alguma coisa à comunidade onde se insere. É por isso que o nosso programa é gratuito, e a única limitação é a lotação da sala.
AP: E como funciona a vertente formativa da Summer School?
NC: O objetivo é ser um grupo muito pequeno — não aceitamos mais do que 15 pessoas — e a ideia é proporcionar aos participantes um contato direto com figuras muito relevantes da criação contemporânea. É um programa muito eclético, que vai da música ao cinema e às artes visuais. A ideia é expor os participantes a diferentes maneiras de entender aquilo que é um processo criativo — como é que diferentes artistas trabalham uma ideia para chegar a um objeto final, que pode ser uma pintura, um filme, uma música, ou um concerto. É um ambiente muito informal, em que não há propriamente uma relação professor-aluno; há, sim, um projeto de cocriação e de aprendizagem mútua.
Nuno Crespo, diretor da Escola das Artes © DR
© Ricardo Raminhos
AP: Qual é o tema da edição deste ano?
NC: O ponto de partida foi nós estarmos a conviver com uma exposição desde novembro feita por mim e pela Joana Valsassina, de Serralves, que se chama "Technology and Transformation". Nós trabalhámos a coleção de vídeoarte de Serralves e tentámos perceber como é que a introdução do vídeo nos anos 60/70 alterou a forma de os artistas poderem produzir imagem em movimento sem toda a equipa e a parafernália que, até então, isso implicava. É uma exposição que faz esse acompanhamento histórico e olha para essa disrupção que a tecnologia trouxe aos processos criativos. A partir dessa exposição trabalhei este tema com o João Laia, a Inês Grosso, e o meu colega Daniel Ribas — precisamente para questionar e pensar em conjunto esta questão de como a tecnologia altera os processos criativos.
AP. E sobre o programa público, o que nos pode dizer?
NC: O programa é muito eclético, não pretende ser algo didático — porque, no limite, todos nós sabemos que as tecnologias transformam sempre os processos criativos.
Nuno Crespo: Vamos receber o Gabriel Abrantes, que trabalha muito esta zona de transição entre a sala de cinema e as exposições. É um realizador para quem o elemento tecnológico é muito, muito importante. Tem trabalhado bastante com imagens 3D, e o último filme dele tinha uma forte componente de pós-produção, uma exploração bastante profunda de toda essas novas texturas que estão a surgir no cinema.
Nuno Crespo: Temos a Chrissie Iles, que é curadora do MoMA, em Nova Iorque, e é uma figura histórica nesta discussão sobre a tecnologia porque foi ela quem fez a primeira grande exposição no mundo sobre videoarte, chamada "Into the Light". E foi ela quem começou a primeira coleção do mundo de videoarte, também no MoMA. Portanto, é uma figura histórica destas discussões, não só sobre a videoarte, mas também sobre os new media, sobre a sound-art e sobre estes meios artísticos menos convencionais. A exposição "Into the Light" é uma viragem muito grande porque abre portas para que o vídeo e os objetos tecnológicos encontrem o seu lugar no museu.
Nuno Crespo: Todos os anos inauguramos uma exposição durante a Summer School, e este ano é uma exposição do Pedro Huet. O Pedro fez um filme chamado "Karle: Cartas", que é uma espécie de viagem — uma espécie de road trip por ambientes montanhosos, de descoberta da natureza. Parece um filme cartográfico, mas ao mesmo tempo muito espacial — porque há ali um trabalho com o som que introduz alguma artificialidade.
Vai ser muito interessante ter a Chrissie Isles no dia em que inauguramos a exposição do Pedro, porque vamos ter lado a lado um novo artista da cidade do Porto com alguém que vai dar uma conferência sobre a história deste processo de transformação da imagem e do movimento no contexto das artes visuais.
Nuno Crespo: Vamos também receber o Cao Guimarães, que é um realizador brasileiro muito relevante na questão da tecnologia. A tecnologia, aqui já não enquanto processo criativo, mas abordada como experiência na grande cidade. Ele é um realizador que trabalha muito no contexto de São Paulo, e no filme que nós vamos apresentar há um personagem que vive este drama do mundo real versus o mundo virtual, com todas as questões que isso traz. Não é um remake do Her (filme de Spike Jonze), mas traz todas essas questões da nossa relação mais íntima com a tecnologia.
Nuno Crespo: Ao Batalha vamos levar Deborah Stratman, uma cineasta que se foca em experimentação — com imagem, com construção do som, com os movimentos de câmara. É um programa com uma curta-metragem e uma longa-metragem dela. Vamos mostrar dois filmes, Hacked Circuit, de 2014, e Last Things, sobre a biosfera, que é de 2023.
Nuno Crespo: A fechar a Summer School, há um concerto da Tujiko Noriko, que é uma espécie de concerto-performance. É uma colaboração desta artista japonesa com o cineasta Yoji Koyama, e é um concerto audiovisual; eles tocam ao vivo para as imagens. Há ali um elemento de improviso e de envolvimento e de aprofundamento com as imagens que é muito interessante.
AP: Portanto, embora o ponto de partida tenha sido a introdução de novas tecnologias nos anos 60/70, a Summer School traça um paralelismo para as disrupções tecnológicas contemporâneas.
NC: Sim, pareceu-nos interessante termos acesso a estas primeiras tentativas de lidar e de conviver com a tecnologia. Porque a história também pode dar-nos pistas para nós aprendermos a lidar com o nosso presente. E eu acho que esse olhar muitas vezes pode ajudar inclusivamente a libertar-nos de alguns fantasmas. Estamos todos obcecados — e ainda bem — com a questão da inteligência artificial. Mas também se dizia que iam desaparecer artistas com a vídeoarte, que as pessoas iam deixar de pintar, ou que os livros iam desaparecer.
AP: Como é que tem sido a evolução do público que participa na Summer School?
NC: Eu acho que corre muito bem! A Summer School não tem propriamente um público fixo, e isso é muito interessante. Como o programa é sempre feito em parceria com outras instituições, neste caso com o Passos Manuel, o Cinema Trindade e o Cinema Batalha, esses nossos parceiros acabam por também trazer o público deles; portanto, é sempre uma mistura entre vários públicos.
© Ricardo Raminhos
AP: E têm planos de mudar algo no formato da Summer School?
NC: Nós estamos sempre prontos a mudar, porque às vezes há coisas que funcionam, outras coisas que funcionam menos bem. Nós queremos sempre mais, não é? Eu acho que uma escola tem que ser um lugar de risco.
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