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Reportagem
O galo de Barcelos, a ternura e a violência no 47.º FITEI
Festival de Teatro de Expressão Ibérica regressa com Trauma, Bravura e Fantasmagorias
O galo de Barcelos, a ternura e a violência no 47 FITEI

De 15 a 26 de maio, o FITEI está de regresso com duas dezenas de espetáculos a acontecerem em 14 palcos, e retomando os temas “Trauma” e “Bravura”, da edição do ano passado, a que acrescenta “Fantasmagorias”. Há 14 estreias, incluindo nove espetáculos internacionais vindos de Espanha, Brasil, Chile e Argentina, neste festival que percorre as cidades do Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos e Viana do Castelo.

À pandemia, à crise climática, às crises migratórias provocadas pela guerra, “temos visto os artistas responderem, encontrando bravura dentro destes traumas, através da intervenção do seu corpo, da sua poesia, da sua escrita, mas também na evocação de algo que podemos chamar de espírito”, ressalva o diretor artístico do festival, Gonçalo Amorim, aquando da apresentação do 47.º Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI).


O 25 de Abril será um dos “motes importantes” da programação com espetáculos que assinalam os 50 anos da revolução, como Luta Armada, da companhia Hotel Europa, espetáculo de abertura do festival, a 15 e 16 de maio, no Teatro Campo Alegre, e que retrata três períodos da nossa história: o final da ditadura e o 25 de Abril, o processo revolucionário em curso (PREC) e a entrada na democracia (e as FP25).

Também em A Nossa Última Manhã Aqui,  Manuel Tur evoca o seu próprio passado como neto de retornados. “Sou neto de retornados. E sou neto da Revolução dos Cravos – mesmo que em casa dos meus avós nunca se tenha falado dela”, lemos no texto de apresentação. “O Manuel Tur propõe-nos voltar ao seu passado familiar. É uma história que lhe interessa e que faz parte daquilo a que o Eduardo Lourenço chama ‘Nosso Impensado’, [referindo-se aos 500 anos de colonialismo português]", lembra Amorim.


“É daqueles temas a que regressamos com enorme dificuldade; não é só a questão da guerra, mas também o retorno da população [que vivia nas colónias] e que foi uma das maiores movimentações de população durante o século XX de um continente para o outro”, salienta o diretor artístico, acrescentando que esta temática pode ser matéria para “inúmeros espetáculos de teatro que tardam a surgir”. A Nossa Última Manhã Aqui  tem a sua estreia no Teatro Campo Alegre, onde estará a 24 e 25 de maio.

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" A Nossa Última Manhã Aqui" de Manuel Tur © DR

Destaque, ainda, no âmbito das temáticas à volta das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, para a estreia de Old Cock, da mala voadora.  Aqui, o galo de Barcelos, um dos souvenirs mais populares de Portugal, ganha vida. Esta é a história de “um galo que procura respostas perante o ditador que o manteve um símbolo nacionalista durante 40 anos, o próprio Salazar (versão deepfake)”. Old Cock é uma peça escrita para Jorge Andrade pelo escritor americano Robert Schenkkan, vencedor de um prémio Pulitzer e de dois prémios Tony. Este espetáculo estará no espaço da mala voadora, na rua do Almada, nos dias 18 e 19 de maio.

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"Old Cock" da mala voadora © DR

Stabat Mater: Janaina Leite, a mãe e a violência em palco


Em estreia nacional, nos dias 16 e 17 de maio, no Grande Auditório do Rivoli, vai estar Stabat Mater, de Janaina Leite, e “a reconstrução da história” da Virgem Maria. “É a chegada a Portugal de um dos espetáculos mais marcantes do universo ibero-americano dos últimos anos”, assegura Gonçalo Amorim. Este espetáculo tinha sido programado para a edição de 2020, mas a pandemia fez com que ficasse apenas pelo FITEI Digital. 


Stabat Mater parte de uma investigação de Janaina sobre “o uso da violência na arte, o uso da violência sobre a mulher, e a forma como a mulher é rasgada, esmagada, batida, espezinhada”. A artista recorre, para isso, a “uma remontagem” da história da Virgem Maria. Em cena, a atriz vai estar com a sua própria mãe e com a figura de Príapo, “neste caso, interpretado por um ator pornográfico”.


Nas mesmas datas, a 16 e 17 de maio, na Sala Estúdio do Teatro Campo Alegre, para ver há O Navio Knight, que parte do texto homónimo de Marguerite Duras, e é um espetáculo da companhia de Viseu Ardemente, que esteve em residência na edição do FITEI de 2023. 


“Todas as noites em Paris, centenas de pessoas usam anonimamente linhas telefónicas, que remontam à ocupação alemã e que já não estão registadas, para poderem conversar e amar. Essas pessoas estão a morrer de vontade de amar e fugir do abismo da solidão", lê-se no texto de apresentação.

Também nas mesmas datas, o público vai poder assistir, no Teatro Nacional São João (TNSJ), ao espetáculo Manuela Rey is in the House, encenado por Fran Núñez, que, segundo Amorim, tem feito “um trabalho muito meritório” no Centro Dramático Galego, e trata-se de uma coprodução do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana, do TNSJ e do Teatro D. Maria II. Este espetáculo recupera a história de Manuela Rey, “uma atriz oitocentista, que saiu muito jovem da sua aldeia na Galiza, com um grupo de saltimbancos, e acabou em Lisboa, com apenas 13 anos, a ser uma das primeiras atrizes do elenco residente do Teatro D. Maria”.


“A sua presença em Lisboa foi tão marcante, não só pela sua qualidade como atriz, mas também por ser poetisa e por ser líder sindical”, tendo, inclusive, iniciado muitas revoltas do elenco fixo daquele teatro. O diretor do FITEI considera, por isso, “comovente” a recuperação que Fran Núñez leva a cabo. “Sabemos como as figuras femininas são, de alguma forma, obliteradas da História ou são substituídas por nomes masculinos; portanto, é de louvar este gesto do Centro Dramático Galego, homenageando uma das suas atrizes mais importantes.”

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Janaina Leite em "Stabat Mater" © André Cherri

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"Trajetória" do Teatro do Frio © DR

No dia 16, na CRL – Central Elétrica, estreia a performance visual Trajetória, do Teatro do Frio, que resulta da recolha de sons e imagens realizada por Rodrigo Malvar (sonoplasta e performer) e Gonçalo Mota (cineasta e antropólogo) em viagens de bicicleta por vários territórios — Gaia, Porto, Matosinhos e Viana do Castelo — no âmbito do projeto Gyrovagus. Segundo Gonçalo Amorim, é um espetáculo “centrado no humano, nos depoimentos de homens e mulheres, na recolha de histórias de comunidades". 


Este espetáculo vai, também, ser exibido em Viana do Castelo e em Matosinhos, cidade que vai acolher, nos mesmos dias, María Isabel  da jovem chilena Ana Luz Ormazával, a quem Amorim gaba a produção artística “constante e muito madura”, referindo, contudo, que ainda não se tinha internacionalizado, o que acontece agora com a presença no festival.  “É muito importante haver uma renovação do tecido artístico ibero-americano, e o FITEI tem esse cuidado, está atento às novas gerações”, sublinha.

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"María Isabel" de Ana Luz Ormazával © DR

Ana Luz Ormazával interessou-se pela história da María Isabel, médica chilena, prisioneira em Tres Álamos enquanto membro do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), que combatia a ditadura de Pinochet, e que escreveu um manifesto feminista, juntamente com outras militantes, onde abordava a realidade discriminatória das mulheres dentro do próprio partido revolucionário. “María Isabel denunciou as práticas de abuso sexual por parte dos companheiros e maridos num relatório que desapareceu três vezes; chegava à mão dos camaradas e desaparecia”, conta Amorim, salientando que este espetáculo “tem muito presente a violência fascista de Pinochet, mas também a violência dentro dos próprios movimentos de resistência”.

Nos dias 18 e 19, o Café Teatro do Campo Alegre acolhe a estreia de Matagal, com direção artística de Eduardo Breda e cenografia de Pedro Tudela, um espetáculo que tem a Língua Gestual Portuguesa “como ponto de partida para o movimento” e onde se cruzam vários meios — dança, teatro, cinema. Amorim refere que o espetáculo “vem da plasticidade dos corpos e dos espaços, e que, de alguma maneira, convida a uma viagem dentro de um universo sensorial”.


Nas mesmas datas, 18 e 19, para ver no Teatro Carlos AlbertoAmédée ou Como Desembaraçar-se, uma nova tradução, de Joaquim Pena e Tiago da Câmara Pereira, do texto de Eugéne Ionesco para uma encenação de Ivo Alexandre. “É um espetáculo que retrata bem as fantasmagorias”, sublinha o diretor artístico do FITEI, porque “toda a gente está à volta de um morto e, a certa altura, apercebem-se de que, afinal, o morto está vivo”. “É o bom estilo de Ionesco, um teatro muito absurdo, um teatro clássico contemporâneo”, frisa.

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"Matagal" © Eduardo Breda

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"Another Rose" © DR

FITEI regressa ao Coliseu Porto Ageas


Uma novidade desta edição é o regresso do FITEI ao palco do Coliseu Porto Ageas. No dia 18 de maio, às 21h00, esta grande sala da cidade acolhe, numa sessão única, Irmã Palestina, o início da tetralogia baseada nas Mil e Uma Noites, de Xerazade, que o Teatro O Bando está a desenvolver para celebrar os seus 50 anos de existência. Trata-se de uma cocriação com a Companhia Olga Roriz e que tem a parceria da Banda Sinfónica Portuguesa, e que junta em cena teatro, dança e música. “A cada estação desta tetralogia, Xerazade recebe uma convidada, e desta vez é a Irmã Palestina”, refere Amorim. A Irmã Palestina será representada por Maria Dally, bailarina palestiniana.


Na outra margem do Douro, no Auditório Municipal de Gaia, a portuense Sofia Santos Silva apresenta Another Rose. A criadora desenvolveu um trabalho a partir de relatos de violência doméstica e “contactou um grupo ativista de mulheres indianas que intervêm nos seus territórios contra a violência machista e a violência de género, e intervêm de forma armada”, e procurou tornar o espetáculo numa plataforma ao serviço da missão deste grupo. “É um espetáculo que, embora muito forte, também tem música e um contexto plástico muito [poderoso]”, refere.

No dia 19 de maio, às 19h00, no Pequeno Auditório do Rivoli, há What Plato Said to Ariana Grande #3, um espetáculo-podcast de Mafalda Banquart e Emmanuel Santos, cujos episódios podem ser apreciados no teatro ou nos auscultadores. “É um espetáculo gravado ao vivo que cruza entrevista, dança e música com momentos de performatividade, e tem uma qualidade cénica muito especial; e o FITEI resolveu encomendar mais um episódio deste podcast”, justifica Gonçalo Amorim.


É também no Pequeno Auditório do Rivoli que, no dia 21, Alberto Cortés apresenta One Night at the Golden BarCortés é um artista malaganho, “que vem da dança, embora as suas propostas sejam sempre de um grande cruzamento entre a dança, a palavra e a música”. “É um espetáculo quase barroco, uma espécie de spoken word cantada, em que Cortés desenvolve um guião, ou um libreto, sobre o que é ser um jovem homossexual em Málaga, durante os anos 90”, adianta o diretor artístico do FITEI.

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Alberto Cortés © Alejandra Amere

“Da Argentina chega um bombonzinho”

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"No Hay Banda" © Ale Carmona

 A 21 e 22, a mala voadora acolhe No Hay Banda, de Martín Flores Cardenas, um espetáculo que “diz muito sobre a qualidade dos dramaturgos argentinos”, defende Amorim, acrescentando que, ao longo dos anos, “o FITEI, felizmente, tem conseguido apresentar excelentes dramaturgos argentinos”.


Martín vai estar em cena sozinho, num monólogo, para “refletir sobre a própria origem da criação teatral, sobre a origem da criação do texto”. “É uma espécie de mise en abyme dramatúrgico sobre um espetáculo que nunca existiu”, afirma o diretor artístico, adiantando que nesta história um dramaturgo e encenador argentino é convidado a ir apresentar a sua próxima peça a um festival no Brasil, mas, na verdade, essa peça não existe.


Nos dias 23 e 24 de maio, o Teatro Constantino Nery, em Matosinhos, acolhe a estreia absoluta de outro espetáculo desta edição do FITEI que se cruza com as comemorações do 25 de Abril. Trata-se de Dona Pura e os Camaradas de Abril, um texto original de Germano de Almeida, com encenação de João Branco, produção do SAARACI – Coletivo Teatral e música original de Mário Lúcio. “Contamos que seja uma enorme festa da revolução e das lutas de libertação africanas”, ressalva Gonçalo.

A Possibilidade da Ternura


No dia 23, em sessão única no Rivoli, La Re-Sentida, “uma das companhias chilenas mais reconhecidas”, apresenta o espetáculo A Possibilidade da Ternura, dirigido por Marco Layera e Carolina de la Maza. Uma história performativa que partilha as experiências e os testemunhos de adolescentes entre os 13 e os 17 anos, e é o resultado de workshops, de uma audição e de um processo de criação coletiva com estes adolescentes. Sete jovens vão estar em palco a expressar coletivamente os seus sentimentos.


"Marco Layera tem feito uma investigação a partir da adolescência; este grupo de adolescentes chilenos chega a Portugal com um espetáculo iconoclasta belíssimo, com a mensagem de que há a possibilidade de os homens serem ternos, de falarem das suas emoções”, revela Gonçalo Amorim.

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"A Possibilidade da Ternura" © Teatre Escalante

Sem palavras: “Para levantar o rabo da cadeira


Nos dias 24 e 25, Márcio Abreu e a Companhia Brasileira de Teatro apresentam Sem Palavras, “um projeto que começou na pandemia”, que parte do livro de Paul B. Preciado, Um apartamento em Urano, e é “sobre estar em coletivo, mas com a força da individualidade”. “É um espetáculo de 'levantar o rabo da cadeira' e vai ser no Teatro Nacional São João, que tem novas cadeiras há algum tempo”, brinca o diretor artístico.


Por fim, uma estreia nacional que ocupa a agenda dos últimos dias do FITEI, nos dias 25 e 26 de maio: Jardim Fantástico, da jovem argentina Agostina Luz López, na Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, do Museu do Porto. Agostina, dramaturga, encenadora e escritora, “resolveu criar, com adolescentes argentinas, uma espécie de comunidade feminina dedicada à contemplação, à leitura e à sororidade numa casa que tem um belíssimo jardim”, conta Gonçalo. Agora, no FITEI, este Jardim Fantástico vai contar com a participação de adolescentes da comunidade local, através de uma colaboração com as escolas de teatro do Porto.

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"Jardim Fantástico" © DR

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Gonçalo Amorim na apresentação do 47.º FITEI © José Caldeira

Teatro para todos: Oficinas e atividades abertas


Além de uma extensa programação de espetáculos, o festival aposta novamente na secção Isto Não é uma Escola FITEI, que consiste num conjunto de oficinas e workshops gratuitos (é necessária inscrição), bem como no FITEI Aberto, que promove o encontro entre o público do festival, os artistas e os públicos de outras áreas para além das salas teatrais, de forma descomprometida e plural.


Guindalense FC vai ser palco das festas de abertura e de encerramento do festivaI; a festa de abertura acontece no sábado, 18 de maio, a partir das 21h00, com o DJ Ponto de Cruz e o DJ Ideal, e a festa de encerramento está agendada para 25 de maio e será abrilhantada pelo DJ set do Instituto Fonográfico Tropical e por Jhon Douglas, “artista do chinelo”.


Há, ainda, o FITEI Aberto onde cabe o programa musical desenvolvido em parceria com o Paulo Vinhas e a Matéria Prima. Tratam-se de Aparições no espaço público, ou seja, “ações inesperadas e, por vezes, improvisadas, que reúnem música ou spoken word e performance, transportando o FITEI para as ruas”.


Este ano, o festival conta, também, com as participações do Ensemble LIBECCIU, um grupo de polifonias, e da Orquestra Urbana da Trofa. A estas atividades somam-se a proposta dramatúrgica Abertura de Processo de 88 Coisos de um Minuto, do argentino Rubén Sabbadini, radicado em Portugal, e ainda uma mesa-redonda com Agostina Luz López e o Martín Flores Cardenas sobre dramaturgia argentina

Na programação de residências artísticas, além da residência da Agostina Luz López, há uma residência artística com Alberto Cortés. “Queremos coproduzir a sua próxima obra, e vamos aproveitar a sua presença no FITEI para fazer também uma residência artística da sua nova obra”, refere Gonçalo Amorim.


No que respeita ao FITEI Pro, que acontece na primeira semana do festival, e é dedicado aos programadores internacionais (não aberto ao público), estão previstos encontros entre programadores e artistas, mesas-redondas e showcases. Durante cinco dias, mais de vinte instituições e programadores de todo o mundo marcam presença no festival.

por Gina Macedo

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