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Dezembro é o mês do Natal – luzes, enfeites e brilhos assinalam a chegada de uma das épocas mais festivas do ano. No centro do Porto, algumas lojas mantêm viva a essência do comércio tradicional, cada uma com histórias e produtos que marcam gerações. Estas casas, que resistem ao passar do tempo, fazem parte da vida portuense, especialmente durante a quadra natalícia, quando são visitadas por quem procura presentes artesanais ou quer recordar sabores antigos. Visitámos quatro dessas lojas com selo de tradição, que mantêm vivo o espírito natalício e nos deixam de olhos arregalados com as suas montras enfeitadas.
Um armazém de tecidos e memórias
Armazém dos Linhos
Filipa e Leonor Pinto Basto são irmãs, arquitetas de formação e atuais proprietárias do Armazém dos Linhos, um espaço icónico com mais de um século de história que continua a encantar gerações de portuenses e visitantes. Com a arquitetura imponente e o interior repleto de tecidos, o espaço é uma verdadeira viagem no tempo. Quando adquiriram a loja, Filipa e Leonor decidiram preservar a sua essência, dando-lhe ao mesmo tempo uma nova vitalidade. “Apaixonei-me primeiro pelo espaço”, recorda Filipa. “Quando o visitava para comprar tecidos, achava que tinha imenso potencial, e era uma pena fechar. Queria preservar este legado e, ao mesmo tempo, trazer-lhe uma nova vida”, conta. “Foi então que percebemos que isto podia ser muito mais do que uma loja de venda de tecido a metro, e começamos a fazer produtos para casa, como toalhas, guardanapos, e não só; apostámos em pijamas e bolsas, começámos e a tirar ainda mais partido dos tecidos”, acrescenta Leonor.
Filipa e Leonor Pinto Basto © Rui Meireles
Chitas de Alcobaça e padrão shangri-lá © Rui Meireles
Durante o Natal, o Armazém dos Linhos torna-se um destino de eleição para quem procura presentes originais e personalizados. Este ano, a montra terá chitas de Alcobaça, que, segundo Leonor, “são um clássico que nos transporta para memórias de infância e para a tradição portuguesa”. O padrão shangri-lá, com a sua estética oriental, é um dos preferidos nesta altura. “Tem um toque natalício e faz mesas lindas”, explica, que vê nas chitas uma forma de reavivar o passado em combinações contemporâneas.
As irmãs partilham o entusiasmo na criação de montras temáticas, como a de patchwork que lhes valeu o prémio de montra mais sustentável atribuído no concurso da Câmara Municipal do Porto. “Foi uma construção demorada, tivemos de coser, encher, mas cada detalhe valeu a pena.” Esta é uma loja onde os clientes não só encontram tecidos únicos, mas também apoio e criatividade para os seus projetos.
© Rui Meireles
A relação com os clientes é muito próxima e, muitas vezes, emocional. “Temos clientes que choram quando sabem que vamos mudar de local, é muito comovente”, partilha Filipa. A loja tem ainda um papel ativo na projeção de peças exclusivas para os clientes, desde mantas a almofadas ou mesmo enxovais personalizados. “Adoro a parte criativa de visualizar um projeto e aconselhar o cliente”, diz Leonor. “Muitos chegam sem saber bem o que querem, e nós ajudamos a combinar os tecidos, muitas vezes, improváveis e a criar peças únicas.” Com o futuro ainda incerto devido à mudança de instalações, as irmãs planeiam manter-se no centro do Porto, defendendo o comércio tradicional. “O Porto é a nossa casa, e vamos fazer tudo para continuar aqui, mesmo contra a corrente”, reforça Leonor.
Um brinquedo em ponto grande que se tornou real
Casa Januário
Na Casa Januário, a tradição é levada a sério e vai-se mantendo tanto quanto é possível. Fundada pelo avô dos atuais proprietários, Teresa e Nuno Torgal, a loja mantém a essência de mercearia fina, onde o cheiro a café torrado logo à entrada nos transporta para outros tempos. “Nós tentamos continuar a tradição do nosso avô Januário; ainda moemos o café nos mesmos moinhos. Ele sempre esteve ligado aos clientes, era o típico merceeiro que gostava de estar atrás do balcão, de conhecer as pessoas e ser ele a servir os produtos. Algumas funcionárias ainda são desse tempo e lembram-se bem dele e dos clientes mais antigos”, conta Teresa, destacando que esta relação é o que torna a Casa Januário especial. “No Natal, funcionamos sempre muito bem. Os clientes vêm buscar o bacalhau, os cabazes e os vinhos. É uma tradição que perdura”, refere Nuno.
Entre os produtos natalícios mais procurados, destaca-se o kit de bolo-rei, um presente ideal para famílias que querem viver a experiência de fazer o bolo mais tradicional desta época em casa. “Criámos o kit para que as famílias possam fazer o bolo juntas, e desfrutar desse momento”, explica Teresa, acrescentando que é “um sucesso” entre os seus clientes, especialmente os mais novos. “As crianças adoram participar na preparação da festa.”
Teresa e Nuno Torgal acompanhados por Rosa, uma das funcionárias mais antigas da casa © Rui Meireles
“Há clientes que trazem cá as crianças ‘pela tradição’, para lhes mostrar os chocolates que comiam quando tinham a idade delas. Esta ligação entre as gerações é que mantém vivo o comércio tradicional, são as memórias das pessoas e dos sabores [de antigamente]”, acrescenta Nuno. Quando Teresa e Nuno eram crianças, “a loja era um brinquedo em ponto grande e um armazém de coisas boas”.
Durante o Natal, a loja é decorada com todo o cuidado para criar um ambiente acolhedor e festivo. “A minha irmã é quem cuida das montras, em conjunto com a Rosa, uma das nossas funcionárias mais antigas, sempre com muita dedicação e criatividade. É algo que as entusiasma, e isso reflete-se na decoração”, conta Nuno, com um sorriso. A Casa Januário transforma-se, assim, num espaço de memórias, onde os clientes encontram tudo o que precisam para a ceia de Natal, desde vinhos a queijos, passando pelos cabazes personalizados, que misturam sabores autênticos e regionais.
© Rui Meireles
Cheiros e sabores do Oriente
Casa Chinesa
Daniel Moreira © Nuno Miguel Coelho
Fundada em 1939, durante a Segunda Guerra Mundial, a Casa Chinesa é uma das mercearias finas mais antigas e respeitadas do Porto. A loja, que começou por vender produtos importados do Oriente, como chá e especiarias, mantém-se como uma referência para quem procura sabores autênticos e raros, e ainda, para quem gosta de comprar a granel. Daniel Moreira, gerente há cinco anos, descreve a Casa Chinesa como “uma casa do comércio tradicional que vai resistindo ao longo do tempo”, apesar dos desafios do setor. “Há clientes que nos dizem ‘não deixem fechar isto, é essencial para a cidade’, e isso dá-nos motivação para continuar”, conta Daniel, apreensivo.
No Natal, a Casa Chinesa é um ponto de encontro para quem procura produtos típicos da época, como frutos secos, bacalhau e vinhos. “Nesta altura, o bacalhau é dos produtos mais procurados, especialmente porque está no ponto ideal de maturação”, explica. A loja prepara, também, cabazes natalícios, compostos por produtos tradicionais, como compotas, vinho do Porto e frutos cristalizados, que são uma excelente opção de presente. “Muitas empresas fazem encomendas de cabazes para oferecer aos funcionários, e os clientes habituais também gostam de levar um cabaz para partilhar com a família”, acrescenta.
A Casa Chinesa destaca-se, ainda, pelas degustações que organiza no espaço, em parceria com produtores locais. “Os turistas ficam encantados com os nossos produtos, e é muito gratificante ver como se entusiasmam com os sabores portugueses”, diz Daniel, referindo-se às sessões de prova que incluem explicações sobre a história e origem dos produtos. Com uma montra que remete para outros tempos e uma variedade de produtos que representam a riqueza gastronómica de Portugal, a Casa Chinesa é um local onde o passado e o presente se encontram, uma celebração do comércio tradicional e da autenticidade do Porto.
© Nuno Miguel Coelho
Chocolates artesanais e receitas que passam de geração em geração
Arcádia
Com mais de 90 anos de história, a Arcádia é uma das marcas mais icónicas do Porto, conhecida pelos chocolates artesanais. Francisco Bastos, da quarta geração da família fundadora, partilha o seu orgulho em administrar, em conjunto com o pai e com a tia, um negócio que faz parte da vida de tantas famílias portuenses. “A Arcádia é uma marca presente nos momentos importantes de diferentes gerações. No Natal, muitos dos nossos clientes vêm cá por causa das línguas de gato, um produto que faz parte das suas memórias, inclusivamente da minha”, revela. E recorda: “Lembro-me de estar com uma caixa de línguas de gato, numa mão e, na outra, um Nokia 3310. São estas pequenas coisas que criam uma ligação emocional.”
© Nuno Miguel Coelho
A loja da Rua do Almada, a mais antiga da marca, é um ponto de referência no Porto, onde ainda se produzem as amêndoas caramelizadas de forma tradicional. “Antes fazia-se tudo aqui: chocolates, pastelaria, amêndoas, e os escritórios eram por cima,” conta Francisco. Apesar de a Arcádia ter expandido para 45 lojas e novas fábricas em Gaia, esta loja histórica continua a ser um lugar onde as tradições se mantêm vivas. “Temos uma produção artesanal certificada. Nos chocolates, nas amêndoas e numa parte da pastelaria, usamos métodos que não alterámos, como as drageias de licor, feitas com a mesma técnica que o meu bisavô trouxe de Paris nos anos 40,” revela, destacando a importância de preservar aquilo que torna a marca única.
Durante a época natalícia, a Arcádia oferece uma ampla variedade de produtos, incluindo sortidos de chocolate e amêndoas caramelizadas. Este ano, lançam uma nova linha de cabazes e um calendário do advento. “Queremos inovar, mas sem perder o lado artesanal e tradicional, que é a essência da Arcádia”, defende.
A Arcádia é também um símbolo da resiliência do comércio de rua. “É importante que as pessoas venham ao centro e apoiem o comércio tradicional. Se não o fizerem, muitas lojas como a nossa podem desaparecer”, alerta Francisco, que destaca ainda o papel da Arcádia como um espaço que preserva “a autenticidade e a ligação emocional” com os clientes. Para ele, a maior satisfação é ver clientes que regressam à loja, ano após ano, em busca de produtos que fazem parte das suas tradições familiares. “É gratificante saber que os nossos chocolates acompanham as famílias há gerações.” Com o lançamento das novas línguas de gato recheadas, a Arcádia reforça o compromisso de inovar, preservando sempre o toque artesanal que a distingue.
Francisco Bastos © Nuno Miguel Coelho
por Maria Bastos
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