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No fim de semana em que o Porto é a capital (nacional e internacional) do hóquei em patins, com a disputa da Final Four de Hóquei em Patins no Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, fomos à descoberta de um clube que não se cansa de apostar nesta modalidade. O Académico Futebol Clube é uma das coletividades desportivas centenárias da cidade, tendo passado por lá grandes referências desta modalidade ao longo dos anos. Hoje, ainda é uma referência, talvez sem o brilho de outrora, mas todos os dias luta para conseguir conquistar as marcas que o eternizaram. Entramos em campo com os mais seniores masculinos e femininos, para, com eles, percebermos o que é isso de ser “jogador do Académico” nos tempos que correm.
Entra em campo de forma rápida, a dominar os patins como se de uns segundos pés se tratassem. Em semana em que muitos faltam, ele não falha. Na semana em que alguns dos atletas abdicam dos treinos para viver a semana “mais longa do ano” para eles [Queima das Fitas], que também são estudantes, ele marca o passo e chega à hora certa. Aperta os patins, veste as luvas, amarra o cabelo para que nada o desfoque do objetivo. Enquanto espera pelos outros, dá voltas no campo, empunhando o stick e batendo bolas para uma baliza que ainda não conhece guardião. Lança mais uma. Outra. No relógio 22h15, hora de dar início ao treino da equipa sénior de hóquei em patins.
Kiko (Francisco Pinto) é um dos atletas seniores da equipa do Académico Futebol Clube, instituição com mais de 100 anos que transporta uma história desportiva inigualável. O centenário do clube pode bem ser uma viagem pela vida social e cultural de um povo que conheceu diferentes momentos ao longo da história.
Dos anos 20, em que se deram os primeiros passos, até aos anos 40, quando se conquistou o primeiro grande reconhecimento, passando pelos anos 60 e 70, em que o Académico foi um clube ímpar na prática de várias modalidades, há uma viagem pela história que o clube permite, ainda hoje, vivenciar. Há algo que nos transporta para essas décadas em cada canto do complexo desportivo, em cada pavilhão, em cada cartaz, fotografia ou cara com quem nos cruzamos.
Francisco Pinto © Nuno Miguel Coelho
© Nuno Miguel Coelho
O encontro de diferentes gerações sempre foi uma marca do clube, um porto de abrigo para atletas mais velhos, um desafio para os mais novos. Um cruzamento de opiniões que ajuda a crescer ainda mais o clube, que se afirmou (e afirma) no desporto local, que tenta alcançar os melhores resultados por entre os problemas financeiros que quase todos os clubes enfrentam. Mas, mesmo assim, não desiste, resiste, supera-se e não baixa os braços.
Atualmente, são 600 os atletas que compõem as diferentes equipas do Académico, entre o basquetebol (com mais de metade das inscrições), o andebol e o hóquei em patins. Já foram mais, mas a vida nem sempre é perfeita e o clube não conseguiu manter muitas das suas apostas. Vive as modalidades que hoje têm mais procura, sendo uma referência em campeonatos regionais e locais.
Porque um emblema com história não desaparece, renasce com as capacidades que ainda possui. Vive sempre pelo amor de quem deposita nele a esperança e a dedicação de olhar por cima dos outros – procurando as soluções e evitando aumentar os problemas.
Voltemos a Kiko, o jogador que, aos 25 anos de idade, vive há mais de 20 com os patins nos pés. Começou pelas escolinhas do FC Porto, passou por um sem número de clubes (Gulpilhares, Carvalhos, Paço de Rei, Cucujães…) mas foi o Académico que o tornou “num homem”.
“Foi o clube onde terminei o período de formação, onde passei mais tempo da minha fase mais feliz e que me acompanhou quando entrei no mercado de trabalho”, admite. Engenheiro de Sistemas de formação, gestor de projetos na atualidade, o hóquei nunca foi – nem será – um complemento. “É uma área vital da minha vida, é como se fosse um segundo emprego, com a mesma responsabilidade e preponderância”, evidencia.
Francisco Pinto © Nuno Miguel Coelho
© Nuno Miguel Coelho
Os sinais sempre estiveram lá. Senão repare-se: desde pequeno que o pai o levou ao Pavilhão Américo de Sá, no Porto, para ver jogos de hóquei e sempre que a RTP 2 transmitia partidas, vibrava como gente grande (e tinha somente um ano e meio). No meio disto tudo, os pais não tiveram dúvidas, colocaram-no onde sabiam que o filho seria feliz. “Sinto que nasci com os patins nos pés”, revela. E, a rir, ainda assume que, hoje, tropeça mais vezes quando caminha de sapatilhas do que a andar de patins.
É ainda treinador das equipas de sub-13 e sub-15, num local onde aprendeu a respeitar o adversário, a respeitar o emblema que carrega no peito. “É como uma segunda casa, envolvido por uma grande família.” Ele sabe que nunca se deve maltratar os lugares onde somos felizes.
Se o desporto continua a ser exemplo para muitos, o Académico é também teimoso na possibilidade de potenciar condições para todos. O hóquei não é – nem nunca será – um desporto só de homens, apesar da velocidade, da força e da exigente componente física. Por isso, há quatro temporadas, criou a equipa feminina, da qual Daniela Ferreira é a capitã.
Conta uns invejáveis 25 anos dedicados à modalidade, promovidos pela entreajuda, a amizade, “a mística do balneário”. Passou por vários clubes ao longo dos anos, acompanhando equipas que surgiam e desapareciam. A vontade, essa, nunca desapareceu, foi sempre em busca do próximo desafio, em novas entidades, em equipas tipo “cogumelo”, que tão depressa despontavam como sumiam.
No Académico encontrou o projeto ideal para terminar a carreira. Aos 34 anos, sente que o corpo já não acompanha a motivação, as lesões deixaram marcas profundas e sabe que nada é para sempre. “Mas acho que tenho sido uma voz importante dentro da equipa, por ter mais experiência, mas também por saber ouvir o que todas temos a contribuir para esta equipa”, avança.
Daniela Ferreira © Nuno Miguel Coelho
Marta Ribeirinha © Nuno Miguel Coelho
Com metade da idade de Daniela, Marta Ribeirinha é uma das jovens promessas da equipa. Ligada a uma família com relações assumidas com o desporto, o hóquei foi a “imposição consentida” a que se permitiu. Pegou nos patins e nunca mais parou. Abraçou o Académico há quatro épocas e não se arrepende. “A diferença de idades entre os elementos da equipa é uma mais-valia. Todas temos experiências diferentes, mas ajudamo-nos umas às outras, o ambiente é muito bom”.
Futura médica – “se tudo correr bem, quero entrar em Medicina no próximo ano” –, Marta é clara na “análise do jogo”: “acho que as meninas são mais aguerridas e espertas a jogar, o hóquei masculino é muito físico e feito só de velocidade. Acho que nós somos mais calculistas na forma de jogar”, sorri. De emblema ao peito, esta atleta de 17 anos, e com caminho para fazer, sabe que competir “pela história” é valorizar cada compromisso e cada vitória como se fosse sempre a primeira vez.
Atualmente, o clube tem equipas de hóquei em patins que vão dos iniciados e benjamins até aos seniores, que competem em diferentes escalões. Os mais velhos acabam por dar uma outra ajuda ao clube, tornando-se, naturalmente, treinadores dos escalões mais novos, contribuindo, desta forma, para perpetuar a forma de jogar “à moda do Académico”.
Diogo Silveira, de 25 anos, sentiu isso, essa “saudade de um clube que tem uma forma de estar diferente”. Depois de uma viagem por vários emblemas, regressou ao Académico para essa dupla função: treinar e ser treinado. Alinha pelos seniores masculinos, é treinador dos mais pequenos, além de ser aluno de mestrado em educação física, professor, treinador de natação e de surf (uf!). “Como jogador ainda tenho alguns anos, mas sei que o que gosto e quero continuar a fazer é treinar”, revela.
Para ele, o hóquei é um desporto complexo (no bom sentido), onde os sapatos são substituídos pelos patins (de quatro rodas), onde as mãos são ocupadas por um stick e é necessário estudar uma série de habilidades para levar a bola a bom porto. “Enquanto atletas, conseguimos mostrar diferentes capacidades. Damos um show de patinagem, um show de bola, é um espetáculo fantástico”, destaca Diogo.
Diogo Silveira © Nuno Miguel Coelho
José Esteves © Nuno Miguel Coelho
O Académico é aquilo a que podemos chamar um clube que “vive a cidade na cidade”. Situado em plena Rua de Costa Cabral, perto do denominado Jardim do Marquês, num dos corações palpitantes de um Porto intercultural, aponta a centralidade como uma das vantagens para ter captado jovens atletas nos últimos anos. É o caso de José Esteves, que se estreou este ano na equipa principal.
De Viseu, onde nasceu e cresceu, e onde se tornou adulto e um ás dos patins, chegou ao Porto para estudar Medicina Veterinária. Não ficou satisfeito apenas com a faculdade, havia algo que lhe faltava: o hóquei em patins, que praticava desde os sete anos. “Já conhecia a equipa, no Viseu tive a oportunidade de os defrontar e fui muito bem recebido.”
Essa lembrança fez com que pedisse para integrar a equipa e a primeira época, que está agora quase a terminar, tem sido feita de “alguns altos e baixos”. Mas, em resumo, tem sido “boa”, num puzzle constante entre as aulas, os treinos e os jogos. Até porque sente que o desporto tem esse efeito terapêutico de colocar tudo no seu devido lugar, “sem stress, de forma aliviada”. Tudo tem o seu tempo, basta para isso ter “disciplina e foco”.
José sabe que é uma das mais recentes aquisições desta “nova família”, de “um grupo forte, onde a união de todos é o mais importante”. Não esquece o muito que aprendeu no Viseu, das vitórias às quedas, das ambições às lesões. Dos pais que ainda lá vivem. Da vida que lá tem. Mas hoje a sua história também tem o carimbo do Académico. Como tem o do Hóquei Clube de Viseu.
© Nuno Miguel Coelho
Felizmente, as duas equipas ainda não se encontraram. No dia em que tal acontecer, José não sabe como irá reagir. Porque, nestas situações, a razão dificilmente vence o coração.
por José Reis
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