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Outubro 2025
Quatro décadas e meia depois do início, os GNR continuam aí, “muito irrequietos”, a mostrar que, afinal, o rock não envelhece mal. A Agenda Porto falou com Rui Reininho, Tóli César Machado e Jorge Romão.
No percurso dos GNR (Grupo Novo Rock) cabem 12 álbuns de originais, quatro coletâneas, dois discos ao vivo e centenas e centenas de concertos. A banda portuense que lançou para o mundo canções que atravessaram gerações e se tornaram parte do imaginário coletivo (quem não tem na ponta da língua a letra de Dunas?) celebra 45 anos com concertos nos coliseus do Porto e de Lisboa.
Numa época em que não era comum bandas de pop rock atuarem nos coliseus, os GNR foram uma das primeiras a fazê-lo – a 24 de abril de 1987, no Coliseu dos Recreios, e depois, a 11 de novembro de 1989, no Coliseu do Porto. Quatro décadas depois, apresentam-se no Coliseu do Porto, a 18 e 19 de outubro, e no Coliseu dos Recreios, a 6 e 7 de novembro (com datas já esgotadas). Operação STOP – Somos Todos Obrigados a reParar serve de mote para os quatro espetáculos em que estão garantidos temas como + Vale Nunca, Efectivamente, Vídeo Maria, Pronúncia do Norte e Sangue Oculto.
Mais vale nunca mais crescer
O Coliseu Porto Ageas é o local escolhido para a conversa com a Agenda Porto. Dos três “GNRs”, Rui Reininho é o primeiro a chegar, bem-disposto. O septuagenário, que não se deixa vergar pelos anos, vem cheio de altitude (achámos que ele ia apreciar o trocadilho, arte em que é mestre) e aproveita para confirmar que a placa de homenagem do Coliseu do Porto pelos 30 anos de carreira da banda continua afixada no foyer (“já houve quem a quisesse tirar”). Este é um ano de números redondos para o músico: 70 anos de vida (“tentei que a data passasse despercebida, mas não consegui”) e 45 anos de carreira dos GNR a serem celebrados nos coliseus.
“Fomos os primeiros daquela geração pop rock a vir aqui para o Coliseu, e a conquistar este espaço. Estava um bocadinho vedado, era difícil. Vinham artistas brasileiros; na altura, os Buarques, o [Caetano] Veloso... Só os Tantra [de Lisboa], na década de 70, fizeram um espetáculo no Coliseu dos Recreios. Mas houve ali um hiato muito grande em que realmente foi uma coisa um pouco kamikaze, porque era uma produção praticamente nossa”, deslinda Reininho. “Naquela altura, não havia controle dos bilhetes; não se sabia se as pessoas iam aparecer ou não”, acrescenta, referindo-se ao princípio da incerteza com que as bandas tinham de lidar.
Rui Reininho em entrevista à Agenda Porto © Rui Meireles
Bilhete do concerto de GNR, em 1987, no Coliseu dos Recreios © DR
Aparentemente sem moralizar
Sobre o concerto nos Recreios, Tóli César Machado, que chega mais tarde à conversa com a Agenda Porto, há-de dizer que “foi muito importante” para a banda, “tão importante como o Estádio de Alvalade”, lamentando que tenha sido encarado pela imprensa “como um concerto normal”, contrariando, assim, a resposta do público a esse momento que viria a ser considerado um marco histórico na música portuguesa.
“Não foi uma coisa muito badalada; curiosamente, e sem grandes ressentimentos, não tivemos aquele apoio por parte da imprensa e da rádio”, atalha Reininho. “Levámos os Mareantes do Rio Douro; foram de camioneta e voltaram. Isso é que foi importante!”, remata, a rir, Jorge Romão, que, entretanto, também se juntou à conversa.
A banda estreou-se no Coliseu do Porto, a 11 de novembro de 1989, com casa cheia. Os bilhetes esgotaram dois dias antes, mas continuaram a vender-se à porta. Em Onde nem a Beladona cresce, biografia autorizada dos GNR, que assinala os 35 anos da banda, lê-se que os bilhetes eram vendidos pela candonga, a mil escudos cada.
“Para nós, era uma surpresa quando alguém nos dizia ‘está uma fila ali na R. de Passos Manuel, já esgotou uma noite!’ – e era uma imensa gente por ali abaixo. Só se comprava na bilheteira; as pessoas faziam fila para comprar bilhete. Não havia aquela coisa do online, não havia controle nenhum. Sem querer fazer comparações, mas em Alvalade foi a mesma coisa”, recorda Reininho à Agenda Porto.
Ai, ui, atirem-me água benta
O vocalista refere-se a outro dos pontos altos da carreira da banda: o concerto de 10 de outubro de 1992 em que esgotaram o estádio de José de Alvalade. Se, à época, atuar nos coliseus era uma aventura, a aventura maior terá sido atuar num estádio de futebol, e os GNR foram a primeira banda portuguesa a fazê-lo.
“Lembro-me que nós chegámos numa quarta-feira, e o espetáculo ia ser no sábado, e não havia noção de quantos bilhetes estavam vendidos. Até foi curioso que o editor disse ‘Rui, vais ter de partir uma perna; parece que só estão para aí três mil ou quatro mil bilhetes vendidos’. Num estádio é um flop, não é? E acabaram por estar mais de 40 mil pessoas. Não havia noção; só quando se ia aos sítios físicos buscar os bilhetes [é que víamos as filas]. Para nós, era assim uma aventura, era quase um concurso diário de aposta”, ri-se.
A propósito, recorda esses tempos em que eram eles, os músicos, que “faziam tudo” (“era tout fait à la main, como dizem os ingleses”, ironiza), inclusive colar os cartazes promocionais: “Nós tomávamos conta destas coisas todas; lembro-me de andar a colar cartazes com o carro do meu pai, que ficou furioso porque lhe sujei a bagageira de cola (risos). Era tudo mais ou menos ilegal, não havia licenças camarárias, e enchíamos a Rotunda da Boavista de cartazes GNR ao vivo. E depois íamos comer uma francesinha.”
Questionado sobre o momento em que se apercebe de que os GNR não são apenas uma banda e passam a ser um marco da música portuguesa, Reininho aponta “talvez, as primeiras internacionalizações”, em 1986. “Começámos aqui pela Galiza, depois demos por nós em França, no Printemps de Bourges, que era um festival importante; Madrid, Barcelona, e pensámos isto já é a nossa vida, não é aquela coisa de tocar para as namoradas e para os amigos ali na garagem, e vamos todos tirar os cursinhos e depois fazer qualquer coisa mais.”
Bem-vindo ao passado
Os concertos nos coliseus que assinalam os 45 anos da banda prometem viagens ao passado, mas “sem nostalgia”. Os GNR vão mostrar que há canções que não envelhecem; aliás, melhoram com a idade. “Felizmente, as músicas têm tido uma evoluçãozinha dentro do possível, dentro da sua estrutura reconhecível, mas têm levado ali bastantes voltas, e o que influi muito, também, é a presença de outros músicos. Neste caso, acho que a formação está forte [Samuel Palitos, na bateria, e Ben Monteiro, na guitarra e nos teclados]”, afirma Reininho.
E apesar de serem uma banda madura, vão provar em palco que se pode envelhecer bem. O formato do concerto “vai ser mais esticadinho”. “O repertório vai ser esticado, acho que andará perto das duas horas”. Mas adverte: “não podem esperar, no meu caso, que faça ali a figurinha do tio Jagger, a correr e a saltar dos camarotes”, ri-se.
Com um repertório de uma centena e meia de canções, Reininho admite que “algumas foram abandonadas e outras não chegaram a fazer [ao vivo] porque não resultavam; foram feitas com sentido de gravação”. “Para os concertos, fomos mantendo as que sentimos que as pessoas gostam de ouvir; tem que ver com a reação do público”, acrescenta Romão.
Reininho, em 1992, no Estádio de Alvalade © Rui de Campos
Fonte: Imagem retirada da página de Facebook dos GNR
© Rui Meireles
Meio-dia não sejas triste
Reininho assegura que a seleção das canções para as atuações ao vivo “nunca partiu de uma onda de marketing”. E recorda: “quando fizemos a coletânea Câmara Lenta, lembro-me de a editora ter dito que tínhamos de fazer uma tournée só com ‘coisas lentas’, um espetáculo mais intimista e tal, mais para as tias, e a gente acabou por não fazer. Não quisemos fazer. Somos muito irrequietos.”
Questionados sobre os concertos que repetiriam se pudessem, vocalista e baixista comungam da opinião que fariam de novo os que correram mal “para fazer melhor”. “Lembramo-nos mais das coisas menos boas do que das boas; nós gostamos de fazer bem”, afirma Romão.
“Lembro-me de meia dúzia que correram francamente mal por várias razões – quase sempre por questões técnicas; um no Bombarral; outro em Viseu, na Feira de São Mateus, em que a corrente elétrica estava sempre a ir abaixo. É muito frustrante, e era muito frequente; as próprias terras não tinham potência suficiente. Acho que foi em Ferreira do Alentejo que pum!, foi tudo abaixo, e o eletricista tinha ido a um funeral”, recorda Reininho.
Ao longo da carreira, a banda tem palmilhado o país de lés a lés e, por isso, “assiste a Portugal – mais, até, do que os políticos”. “Entramos de uma maneira mais valente nas localidades. Vimos Trás-os-Montes ser abandonado. Nós andamos na estrada. Nós íamos a Bragança e despedíamo-nos da família, do género, adeus, até ao meu regresso, porque custava a chegar lá. Ainda hoje custa.”
É como saltar a fogueira
O músico defende que, nos concertos, “é importante as pessoas sentirem apoio nas suas motivações em cada local a que se vai”. “Ser uma coisa anódina e desinfetada não tem graça nenhuma.” A propósito, afirma que “gosta de se meter com toda a gente”. “Até dizer ‘boa noite, Oliveira de Azeméis!’ quando estamos em São João da Madeira – e o pessoal a assobiar; ou estarmos em Braga e dizermos ‘Tchau, Guimarães!’”, ri-se.
Questionados sobre o que os leva a continuar a subir ao palco, Reininho atira que “é a mania de ficar nervoso” e Jorge garante que “é o gozo de tocar ao vivo que move a banda”. Mas um artista nunca se reforma?, insistimos. Tóli é taxativo: “não”. “Quem corre por gosto, não cansa. Nunca vi isto como uma obrigação; e quando não tocamos ao vivo, fica a faltar qualquer coisa.”
Olhando em retrospetiva para o percurso da banda, o fundador e compositor dos GNR admite que, “algumas coisas, teria feito de maneira diferente, mas, no geral, correu tudo bem”. A prova disso mesmo é que estão aqui a celebrar 45 anos.
Perguntamos se o palco é hoje mais um lugar de libertação ou de responsabilidade, ou, ainda, de liberdade responsável. E Reininho aprova: “está muito bem-dito: ‘liberdade responsável’ é uma boa definição”. “Loucura controlada”, riem-se. É, pois, com isso que o público pode contar nos concertos de 18 e 19 de outubro. Spoiler alert: no final, vai cantar-se Dunas em uníssono.
Reininho em palco © DR
Fonte: Imagem retirada da página de Facebook dos GNR
GNR no Coliseu do Porto em 2017 © DR
Fonte: Imagem retirada da página de Facebook dos GNR
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