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Entrevista de perfil
Como pode um teatro mostrar a realidade?
Entrevistas
Entrevista Cristina e Drew

A propósito do aniversário do Rivoli, conversámos com os codiretores artísticos do Teatro Municipal do Porto (TMP), Cristina Planas Leitão e Drew Klein. Desde fevereiro de 2023 que, juntos, desenham a programação do Rivoli, do Teatro Campo Alegre, do Campus Paulo Cunha e Silva e do Festival Dias da Dança (DDD). 

Agenda Porto: A Cristina já afirmou que “programar é, também, facilitar, mediar, pensar em formatos e acessibilidade”. Está aqui patente a preocupação de chegar ao público e de criar novos públicos... O que pode o público do TMP esperar da programação para 2024?

Cristina: Preocupamo-nos com muitas coisas e o público é uma delas. Temos vindo a notar que o público não é monolítico, não é todo igual. Ao olharmos para a programação de janeiro a julho, tentámos prever que público virá a determinado espetáculo. Por exemplo, os espetáculos que vamos apresentar no aniversário são, talvez, um pouco mais ousados do que os espetáculos de edições anteriores, que eram um pouco mais convencionais. Estamos cientes que alguns espetáculos que programamos podem causar dissonância, mas é nesta dissonância que surge, também, um questionamento. 


Drew: Sim, acho que nenhum de nós se coíbe de se envolver no debate. Gostamos do diálogo que resulta do trabalho com artistas que colocam questões difíceis e apresentam novas ideias ao público. Uma das coisas mais interessantes do projeto do TMP é o facto de estar vivo, de mudar de temporada para temporada, refletindo o que acontece na cidade e no mundo. Em termos de público, esta temporada está pensada um pouco mais no sentido de convidar mais pessoas a contribuir para esta conversa; vamos ter espetáculos que abordam as condições de trabalho, o aborto, a guerra... Acreditamos que esta é a função do nosso teatro.

"Uma das coisas mais interessantes do projeto do TMP é o facto de estar vivo, de mudar de temporada para temporada, refletindo o que acontece na cidade e no mundo."

AP: A função de criar diálogo e debate...


C.: Sim. Escrevemos no editorial da Agenda do TMP algo que nos guia: como é que um teatro pode não ser um espaço apenas para a ficção, mas, também, mostrar a realidade? Hoje, a realidade está tão distorcida... Como é que o teatro pode apresentar diferentes pontos de vista, e aonde não vamos apenas para sermos entretidos? Claro que há um lado de entretenimento, mas também a perceção de entrar neste espaço e de colocarmos questões e refletirmos sobre os assuntos do quotidiano.

AP: Que momentos da temporada destacariam? 


D.: A programação de aniversário do Rivoli; é ambiciosa, audaciosa e selvagem. Exige a atenção do público, e é muito intensa. Achamos que é uma espécie de introdução do resto da temporada. 


C.: Exatamente. Ainda no programa de aniversário, há um espetáculo mais pequeno, Bertie, de Rita Barbosa. É a nossa primeira aventura na realidade virtual. Também se trata de correr riscos. Acho que o aniversário revela muito sobre a forma como vemos a temporada até julho. Claro que há propostas para o grande público; muitas delas acontecem em junho, quando as pessoas já só querem divertir-se ou ir à praia. Por exemplo, os espetáculos de LA(HORDE)/ National Ballet de Marseille, da Companhia Nacional de Bailado (CNB) com coreógrafos contemporâneos (Hofesh Shechter, Vasco Wellenkamp e Ohad Naharin) — que foi algo que tentámos mudar; ter a Companhia Nacional de Bailado, mas com um programa contemporâneo —, ou um projeto comunitário (ZHA!, de Visões Úteis) de grande dimensão. Acho que estas escolhas foram estratégicas. Em janeiro, fevereiro e março vão acontecer muitos espetáculos que, de alguma forma, têm conteúdo ou pensamento políticos: o espetáculo de Marco Martins, que aborda o tema de mulheres imigrantes que trabalham como cuidadoras e empregadas domésticas; a peça da polaca Gosia Wdowik, sobre o aborto e a saúde mental; ou o espetáculo de dança de Gio Lourenço, que aborda Angola e o pós-guerra…

Entrevista Cristina e Drew

Toda a programação do aniversário do Rivoli é de entrada gratuita, mediante levantamento de bilhete, nos próprios dias das sessões, a partir das 10:00, na bilheteira do Rivoli e na BOL.

Entrevista Cristina e Drew

The Dan Daw Show, © Hugo Glendinning

D.: Março também será interessante; vamos ter dois espetáculos com artistas portadores de deficiência, mas sem o foco na temática da deficiência — e é importante salientar isto porque é muito frequente as salas de espetáculo tentarem "tematizar" a programação: o projeto em que Marlene Monteiro Freitas está a trabalhar com Dançando com a Diferença é um trabalho evocativo e provocador, com pessoas portadoras de deficiência em palco; duas semanas depois, o artista australiano Dan Daw apresenta em palco The Dan Daw Show. Dan tem paralisia cerebral e o seu trabalho consiste em exprimir e mostrar a beleza e a complicação da sua vida sem necessariamente associar uma espécie de melancolia...



AP: Que projetos têm para o Campus Paulo Cunha e Silva? Para além das residências artísticas, têm decorrido, também, semanalmente, as aulas abertas, as Práticas Expandidas


C.: O Campus é um bebé, começou apenas em 2021. Quando estava a desenhar o projeto tinha presente a ideia de que o mudaríamos se sentíssemos necessidade, mas também não o faríamos se considerássemos que continuava a fazer sentido. Por isso, nesta temporada, vai funcionar como até agora, através das convocatórias abertas. É o nosso único programa com convocatórias abertas, em que avaliamos as candidaturas dos artistas com um júri externo. Percebemos que há sempre novos nomes a aparecer. As aulas abertas começaram por ser um programa paralelo. Pensámos que era importante criar uma comunidade à volta daquele espaço. Algumas aulas têm mais afluência do que outras; normalmente, as de dança são as mais frequentadas, por isso estamos inclinados a oferecer mais aulas de dança. Penso que se trata mais de aperfeiçoar o programa do que mudá-lo. Temos, ainda, o Reclamar Tempo, uma bolsa de investigação na área das artes performativas, que vai agora na quarta edição. Aperfeiçoámos os enunciados sobre aquilo que é pedido aos artistas; pedimos que se concentrem no trabalho de investigação, não se trata de uma residência artística. Portanto, isto trata-se de perceber o que funciona e como podemos fazer com que funcione melhor. 

AP: O TMP tem novas parcerias? 


D.: No último ano, trabalhámos para desenvolver mais parcerias com organizações internacionais que tenham um foco semelhante ao nosso no sentido de servirem de plataforma para os artistas desenvolverem novos trabalhos que possam ter uma maior projeção. É o caso da rede Grand Luxe, com [nove] parceiros de vários países europeus, que cria programas para apoiar projetos de novos coreógrafos. O TMP vai representar a artista Catarina Miranda, que fará parte do programa Grand Luxe; vamos partilhar o seu trabalho e garantir que chegue a outros países... Recentemente, também passámos a integrar a Big Pulse Dance Alliance, uma rede de festivais de dança que trabalha com jovens criadores e que visa promover a dança contemporânea. Estas parcerias estão a surgir agora devido ao trabalho que tem sido feito nos últimos anos. 

Entrevista Cristina e Drew

© Rui Meireles

AP: Abril é o mês do DDD. Este ano celebram-se os 50 anos da Revolução do 25 de Abril. O programa do DDD vai juntar-se às celebrações? Vai haver na programação momentos dedicados ao 25 de Abril? 


C.: O DDD coincide exatamente com o 50.º aniversário do 25 de Abril. Sendo portuguesa, também refleti sobre esta data. De repente, imaginei uma série de retrospetivas, de momentos históricos, mas decidi que não queria ir por aí. O nosso pensamento foi: De que revoluções ainda precisamos? Por que coisas ainda precisamos de lutar? Como é que está a acontecer a revolução nas salas de espetáculo? Os espetáculos do DDD vão ter formatos muito diferentes. Quer dizer, não serão formatos totalmente inovadores, mas cada artista está, realmente, a tentar desafiar alguma coisa. Há muitos espetáculos de dança que têm voz. Os artistas, cada vez mais, sentem necessidade de falar, sendo que na história da dança houve sempre muito silêncio. Há esta revolução da voz a acontecer na dança. Por isso, acho que não é uma edição revolucionária, mas é uma edição que recai sobre diferentes formatos e sobre revoluções pessoais. 


D.: Sim. Não é um festival de dança sobre a revolução; é um festival que mostra como a dança pode ser revolucionária. 


C.: É isso mesmo, temos de nos lembrar disto! Devíamos escrever isto no editorial! (risos)

Entrevista por Gina Macedo

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