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Conjugar o Porto
Revelar com Ivan da Silva
Entrevistas
Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

Ivan da Silva tem vindo a desenvolver um trabalho que envolve processos fotográficos antigos, a criação de jogos visuais e projetos artísticos com as comunidades, e produz obras plásticas que transcendem os limites convencionais da arte fotográfica, colaborando com outros artistas para explorar novas formas de expressão.

Da optometria à fotografia 


Formou-se em optometria, mas a paixão pela imagem e pela fotografia levou-o a ingressar, primeiro, no curso profissional do Instituto Português de Fotografia (IPF) e, depois, no Mestrado em Design da Imagem na Faculdade de Belas Artes do Porto. Talvez porque os pais tinham um videoclube, “sempre teve uma relação com a imagem”, e conta que, na altura em que estudava Ciências, sentiu “a necessidade de ensaiar caminhos, de provocar novas sensações e pensar em novas possibilidades”. 

 

No IPF, “uma das primeiras boas sensações” foi quando lhe pediram para sair à rua e tirar uma fotografia. “Não tinha de fazer uma conta, não é estudar; quer dizer, é estudar de uma outra forma, é a vertente criativa”, descreve. E defende que o que o atrai na fotografia é a possibilidade de “uma tradução”: “olhamos para uma coisa e convidamos as outras pessoas a olharem para esse mesmo elemento. Há essa direção pensada do olhar; é aquilo que nós sentimos, mas é também um convite a que outras pessoas olhem para essa porção, que marca o enquadramento da imagem.” 


Enquanto artista, Ivan tem-se debruçado muito sobre a fotografia analógica, afirmando que numa fase inicial foi “uma exploração da estética e do próprio processo” que lhe interessou. “A possibilidade de hackear, de deturpar e manipular um processo no universo digital, em que os sistemas são praticamente fechados, pode, por vezes, tornar-se complexo, pelo menos a partir da minha abordagem, mas todos os sistemas analógicos ou químicos são sistemas que vão dando pistas sobre as suas falhas. E as suas falhas são também um elemento artístico em si e com interesse per se”, ressalva.  

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

Ivan da Silva © Inês Aleixo

"Olhamos para uma coisa e convidamos as outras pessoas a olharem para esse mesmo elemento. Há essa direção pensada do olhar; é aquilo que nós sentimos, mas é também um convite a que outras pessoas olhem para essa porção, que marca o enquadramento da imagem."

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

Fotografia em colódio húmido, Ivan da Silva © Inês Aleixo

Colódio húmido: a polaroide do séc. XIX 


Recorrendo a esta técnica do século XIX, Ivan tem desenvolvido um trabalho artístico autoral, mas também uma vertente mais comercial, com sessões de retratos. Neste processo, diz, sente-se atraído pela estética e pela plasticidade das imagens. “Na primeira vez que produzi colódio húmido, trabalhei sem câmara, trabalhei com uma manipulação química, os quimigramas. Houve essa ideia de revelar o processo, o que está escondido, as imagens que o próprio processo esconde”, conta.


“Em vez de pensarmos numa imagem projetada, pensamos nas imagens que estão dentro da química do próprio processo, e que normalmente não são reveladas, ou então são vislumbres que temos durante o processo de revelação.” E exemplifica: “Como é que o colódio húmido, que tem tons sépia, apresenta tons azuis, dourados? E eu quis revelar essas etapas intermédias do processo, assim como outras características, como o negativo, essa matriz que depois dá origem a uma imagem, mas que também é ela própria uma imagem.” 


Além do lado artesanal e de poder manipular o processo, agrada-lhe a possibilidade de apresentar “mais rapidamente um objeto físico em colódio húmido do que com os processos digitais”. Ivan afirma que o colódio húmido é também “um processo instantâneo da fotografia, uma espécie de polaroide antiga”, porque a imagem fica pronta em 20 minutos, desde a captação até ao produto final. “Conseguimos que a imagem fique terminada e impressa na hora.” Este processo pode ser aplicado em várias superfícies, nomeadamente em vidro, alumínio e ferro, com designações diferentes — ambrótipo, aluminótipo, e ferrótipo, respetivamente.  


Agenda Porto acompanhou uma sessão de demonstração de fotografia em colódio húmido em que o artista revela todos os passos, e que podes ver aqui. A próxima sessão, intitulada “A Química de um Retrato”, está agendada para 15 de fevereiro, no Túnel, e as inscrições já estão abertas

Na fotografia, interessam-lhe os processos antigos, mas também “a materialidade da imagem”, tendo vindo a trabalhar com outros fotógrafos e artistas visuais, como Carlos Trancoso, com quem desenvolveu peças escultóricas e trabalhos sobre o universo digital. Foi também com Trancoso que, em 2022, apresentou a exposição “Junta Seca”, na Galeria Dentro, a partir da sua experiência nas Hortas da Bananeira, refletindo “uma arqueologia experimental que revela imagens em diapositivos que registam as marcas do tempo”. Também numa fase inicial do seu trabalho abordou a relação entre arte e ciência, tema da sua primeira exposição, “Limbo”, em 2015, na Galeria Olga Santos.

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

Sem Título, Limbo, 2015 © Ivan da Silva 

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

Ivan numa oficina do projeto Imagens Verdes © DR

Imagens Verdes: arte e comunidade  


Ivan afirma que, no seu trabalho artístico, “tem investido bastante na ideia da colaboração, da partilha e também da participação”, através do desenvolvimento de projetos em que desafia as comunidades a participarem em criações coletivas, como é o caso do Imagens Verdes, que arrancou em 2022 e conta já com três edições. O projeto, que teve origem nas hortas comunitárias das Fontainhas, visa promover a criação artística com a comunidade sénior do Bonfim. “A ideia de trabalhar com seniores partiu da solidão que se sente nas cidades; as pessoas estão cada vez mais sozinhas”, afirma. “O grande objetivo deste projeto é conseguir que as pessoas saiam de casa, participem em várias atividades.” 


Financiado pelo Orçamento Colaborativo, o Imagens Verdes consiste em diferentes oficinas artísticas, com uma duração de dois a três meses, que acontecem na Casa d’Artes. A última edição decorreu no final do ano passado e culminou com a construção de um painel de azulejos colaborativo, orientada pela artista Adriana Cajj a partir de uma ideia de uma das participantes. “Constelação de Azulejo” foi inaugurado a 30 de novembro numa das paredes da sede da Junta de Freguesia do Bonfim. 

Se o Imagens Verdes partiu de uma ideia de Ivan, só ganhou forma graças ao Coletivo Barda, um grupo de artistas maioritariamente baseados no Porto, cujo trabalho se debruça sobre a criação de sinergias entre comunidades e territórios através de diálogos experimentais. “O coletivo nasce da vontade de criar; convivíamos muitas vezes, tínhamos a fotografia como linguagem, ou como técnica, que nos interligava, e todos nós trabalhamos essencialmente no universo das artes visuais e da performance”, conta. “Acabámos por nos constituir como associação para poder atuar no terreno e, logo numa fase inicial, ganhámos uma candidatura para uma intervenção na Serra do Açor, com residências artísticas e a promoção de oficinas com as comunidades, que culminaram com exposições em Arganil e em Góis.”


Trata-se do projeto Porvir, que decorreu o ano passado em quatro aldeias da Serra do Açor onde Ivan esteve em residência durante dois meses, tendo desenvolvido um jogo visual, uma das suas paixões, que refletia sobre a cultura literária beirã, “com citações de autores que se relacionavam com o entorno, e a partir de uma nuvem de palavras criada pela comunidade local que identificava aquele lugar”.  


“O mais interessante neste tipo de projetos é que fica sempre alguma coisa, há resultados tangíveis; uma pessoa passa de uma exposição para uma intervenção no terreno, num projeto participativo, e conseguimos produzir contacto entre as pessoas, o que de outra forma não teria acontecido”, frisa o artista. “As pessoas vivem tão perto umas das outras, mas não se comunicam”, lamenta.


Esta é uma realidade que o artista quer contrariar.  “Uma parte importante do meu trabalho artístico é criar laços sociais e promover o espírito de comunidade”, sublinha. 

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

Jogos visuais com a comunidade no âmbito do Porvir © DR

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

"Ideias para não mudar o mundo", Ivan da Silva © DR

Jogos visuais para traduzir o mundo 


Também a vertente pedagógica está “muito presente” no seu trabalho artístico. “É o principal, é o que mais gosto de fazer.” Neste sentido, tem vindo a desenvolver vários jogos, enquanto ferramenta lúdica e acessível a várias pessoas, para trabalhar a literacia visual. Estes jogos visuais têm como objetivo “traduzir imagens”, que é como quem diz “traduzir o mundo”.  “O universo lúdico trabalha a comunicação entre pessoas”, frisa. Os jogos que cria, defende, “convidam a olhar para as imagens e a questioná-las”. “Porque é que gosto de determinada imagem? Que elementos que a compõem fazem com que essa imagem me atraia?”, exemplifica.  


“Ideias para não mudar o mundo”, um dos jogos que nos mostrou, criado em 2023, numa residência em San Blas, resulta de “uma recolha da arqueologia dos objetos descartados por pessoas”, tendo produzido com eles peças quadradas em resina que serviam para traduzir imagens locais. O jogo consiste em, a partir de nove quadrados de cores diferentes, traduzir ou representar uma determinada imagem, criando padrões. “Eu convidava as pessoas a participar, elas davam-me uma imagem sua, eu imprimia na hora, e essa pessoa reproduzia com esses materiais a sua fotografia”, explica.  

“True Friends” é outro jogo que desenvolveu durante a residência artística em Benfeita e que consiste numa peça de arte postal (mail art). Trivial, Aroma, Moral, Solar, Mineral, Romance, Virtual, Aura, Real são exemplos de true friends, palavras similares em inglês e português, que visitaram as caixas de correio daquela aldeia. Esta correspondência inspirou os habitantes a atuar e participar na construção de um enigma comum, levando a uma interação entre eles. “Havia comunidades que comunicavam em português e outras em inglês, e essa dificuldade de comunicar era identificada como uma razão para uma eventual cisão”, explica. Ivan quis, por isso, pensar numa palavra por cada casa da aldeia, que serviu de mote para as instruções contidas nestas peças, como, por exemplo, “altera-me com outras palavras” ou “pinta aqui o que vês”.  


A comunicação está no cerne da sua prática artística, seja na interação direta com o público ou na mediação de diálogos dentro das comunidades. “Estabelecer conexões e produzir efeitos que perdurem” é um dos seus maiores objetivos, reforçando a sua crença no poder transformador da arte. 

por Gina Macedo

Conjugar o Porto Ivan da Silva fev 2025

"True Friends", Ivan da Silva, Porvir © DR

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