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Conjugar o Porto
Brincar com a Serpentina
Entrevistas
Patrícia Costa e Maria João Macedo chamaram Serpentina ao projeto que quer testar uma ideia de transformação urbana com foco nas crianças
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O nome do projeto encerra em si uma ideia de movimento – serpentear. “Percebemos que é um movimento que as crianças fazem na rua, a brincar, não andam em linha recta.” A Agenda Porto falou com as cocriadoras desta iniciativa.

Quem anda pelas ruas do Porto já deve ter-se deparado com cartazes e MUPIs com as frases: “Quero uma cidade verde"; "quero uma cidade livre"; "quero uma cidade suave"; "quero uma cidade viva”. Trata-se da campanha de sensibilização sobre o direito a brincar e o direito à cidade da Serpentina – A Brincadeira está na rua!, que nos interpela: “o que queres da tua cidade?”.

“Esta pergunta é uma espécie de trocadilho a partir da pergunta que se faz às crianças ‘o que queres para o Natal?’. Se calhar, o [melhor] presente seria mudar a cidade”, diz Maria João. O objetivo é refletir sobre “as condições que a cidade oferece para brincar; se é uma cidade amiga das crianças”. “A ideia de que brincar ao ar livre é muito importante, e é importante pelos aspetos ligados à saúde, pela liberdade e pela criatividade das crianças, e em todas as estações do ano. Esta é a mensagem principal da campanha”, afirma Maria João à Agenda Porto.


O convite à brincadeira na rua está patente nos quatro cartazes: “árvores na rua para brincar à sombra”; “trepar ao escorrega com os pés descalços”; “ir com os amigos da escola ao jardim”; “brincar lá fora mesmo com o mau tempo”. “É uma espécie de micro-poética da cidade amiga das crianças: verde, livre, suave e viva. E aqui estamos a falar de mobilidade e de questões ecológicas que oferecem oportunidades para brincar – mais do que os brinquedos e os ecrãs que se tem em casa."

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Maria João Macedo e Patrícia Costa © Rui Meireles

Para esta campanha ficar no ouvido e para ajudar a passar a mensagem, a Serpentina desafiou o projeto Mão Verde (António Serginho, Capicua, Francisca Cortesão e Pedro Geraldes) a criar uma música original, com letra e a voz da Capicua, que também tem um videoclipe (realizado pelo estúdio Macedo Cannatà e animado por Gustavo Carreiro e Matei Monorau). "Agora vamos andar muito em torno da exibição deste vídeo animado que transporta esta nossa mensagem, e queremos ativá-lo também com crianças em atividades relacionadas com a dança, por exemplo", adianta Maria João. 


Nesta canção estão presentes as "palavras de ordem" da campanha: apela-se a uma cidade verde em primeiro lugar, "a uma cidade com mais árvores, com mais natureza; a uma cidade livre onde se possa serpentear, onde os carros não representam tanto perigo ou, pelo menos, há zonas em que o trânsito pode ser condicionado para que se permita às crianças esta exploração", desfia a designer. Reivindica-se, ainda, uma cidade "onde as crianças são visíveis e são vistas, porque brincam na rua, mesmo com mau tempo, e uma cidade suave, que é uma cidade com mais tempo".  "O tempo das crianças é outro, é um tempo mais lento, e é muito importante percebermos isto, e também é suave no que diz respeito à mobilidade: a mobilidade ativa, a pé, de bicicleta, que é muito importante para a própria construção da autonomia infantil", concretiza.

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"Isto não é uma cabine telefónica", instalação no âmbito da Porto Design Biennale © Rui Meireles

Mas voltemos ao início da Serpentina. E no início está a inquietação de duas mães relativamente à falta de espaços onde os filhos pudessem brincar. Patrícia, educadora social, e Maria João, designer de comunicação, decidiram reivindicar a reabilitação do pequeno parque infantil do Largo de Soares dos Reis, no Bonfim, onde ambas residem. A partir daí, começaram a desenhar uma ideia de transformação urbana que parte do direito ao brincar e que reclama o espaço público para toda a gente. “Tem sido um processo enquanto mães, por sentirmos a cidade pouco preparada para usufruirmos dela com as crianças, para elas poderem estar livremente na rua”, conta Patrícia Costa.


Depois de várias candidaturas, sem sucesso, a diferentes entidades, o projeto foi selecionado para integrar a edição deste ano da Porto Design Biennale, e conseguiu o apoio do Município do Porto, que vai financiar a empreitada de reabilitação do parque infantil, estando o arranque das obras previsto para junho do próximo ano.

Entretanto, desde abril, a Serpentina tem levado a cabo várias iniciativas envolvendo a comunidade local, nomeadamente os moradores e comerciantes da zona, programadores culturais e, claro, os maiores especialistas na arte de brincar – as crianças, que foram uma espécie de consultoras deste movimento de transformação urbana [vê o vídeo abaixo]. “O exercício, no início, foi muito acerca do parque infantil do Largo de Soares dos Reis; fizemos várias oficinas e passeios pela rua com um grupo de 35 crianças da associação O Meu Lugar no Mundo”, conta Maria João, vincando que “as crianças nos surpreendem muito porque têm ideias criativas, e é muito interessante perceber que são muito generosas e altruístas”.

“Muitas das ideias passavam por permitir apenas o trânsito de veículos não poluentes ali à volta; falam muito nas árvores, porque gostam das árvores – há adultos que não gostam, porque largam folhas, trazem ratos, mas as crianças gostam. E as árvores também são propostas de brincadeira, que é este desenho ‘subversivo’ que temos aqui”, diz Maria João, apontando para um dos cartazes da campanha.

Algumas destas conversas com as crianças e com os comerciantes locais integram a instalação sonora “Isto não é uma cabine telefónica – Phono-conversas Serpentina”, no Largo de Soares dos Reis, e podem ser escutadas até 26 de abril. Esta foi uma proposta da Serpentina, no âmbito da Porto Design Biennale, que “enfatiza a importância do envolvimento comunitário na recriação da cidade”.

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"Isto não é uma cabine telefónica" no Largo de Soares dos Reis © Rui Meireles

"É importante perceber que o espaço público, quando é reivindicado, pode ser utilizado pelas pessoas sem que tenham de consumir para usufruir dele."

Um laboratório de brincar: fazer dos parques e das ruas zonas de convivência

O projeto de transformação urbana da Serpentina, que começou com propostas para a reabilitação do Largo de Soares dos Reis, foi alargado a um “triângulo verde” na intersecção das ruas Barão de São Cosme e Joaquim António Aguiar, a que chamam Parque da Alegria. Maria João e Patrícia desafiaram o Município do Porto a colocar três bancos de jardim naquele “triângulo verde” sem uso, a cerca de dois minutos a pé do parque infantil que querem intervencionar. A colocação dos bancos aconteceu no início de outubro.


"Nos passeios de diagnóstico que fizemos, fomos tentando identificar locais que eram potenciais para a utilização por parte das famílias desta zona. E este aqui, na verdade, era um espaço verde muito desaproveitado, diz Patrícia. "De repente, só com a colocação aqui destes três bancos, pelo município, percebemos que a vivência deste lugar já mudou", confirma Maria João. "Queremos que o Parque da Alegria seja um laboratório do brincar, que se possa usar este espaço para experimentar outras formas de brincar, sem escorregas nem baloiços, mas que seja um espaço para demonstrar que essas estruturas não são fundamentais para que a brincadeira aconteça”, defende.


O objetivo é que este espaço seja identificado como “ponto de encontro”; não como um lugar de passagem, mas como um lugar para se estar. Efetivamente, com a colocação dos bancos, o espaço passou a ser frequentado. “Moram aqui muitas famílias com crianças pequenas, e aquele é um local onde nos

podemos cruzar e também socializar um bocadinho e conhecer os vizinhos."


Patrícia e Maria João esperam que estas pequenas transformações urbanas de baixo custo sejam replicadas noutras partes da cidade. “Seria ótimo se pudéssemos contaminar a cidade e o resto do país com este tipo de propostas pequeninas”, dizem, com entusiasmo.

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Parque da Alegria © Rui Meireles

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