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Mestre Bessa. Fotografia © Rui Meireles
É no número 314 da Rua do Almada que encontramos o ateliê de António Bessa – mais conhecido por Mestre Bessa – que nos recebe de pincel na mão, como se fosse já uma extensão do próprio braço, ao som de uma valsa de Strauss. Está há mais de 35 anos nesta rua, mas só há 15 encontrou o que chama de “espaço ideal” que lhe permitiu realizar o sonho de pintar de portas abertas para a cidade. “Há artistas que preferem trabalhar mais isolados, eu vou buscar ao povo aquilo que me interessa – são a minha inspiração.”
Nasceu na freguesia do Bonfim e diz ser “tripeiro de gema”. Aos 71 anos, garante, com convicção, que está exatamente onde queria estar. “Sempre vibrei com a cidade e com o futebol. Tudo é Porto.” E é nesta proximidade que reside o sucesso do seu trabalho: “o povo passa, espreita os trabalhos que estou a fazer e dá-me informações importantes.” Como aconteceu com o retrato de Sérgio Conceição; enquanto Mestre Bessa refletia sobre onde ia posicionar na tela o treinador de futebol, um transeunte atento sugeriu: “Ele tem a mania de se sentar em cima da geladeira.” E assim ficou, com naturalidade e humor.
Fotografia © Rui Meireles
“A minha obra tem a mão do povo”
Foi essa proximidade com as pessoas que o levou, também, a pintar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa – uma das obras mais marcantes do seu percurso. “Quando o Marcelo foi eleito, achei interessante que, em vez de ir de carro, para ser empossado, foi a pé. Desceu a rua, conversou com as pessoas que encontrou, foi tomar café ao sítio do costume e eu apreciei isso. Ser presidente do povo é ser povo.”
Numa visita do Presidente ao Porto, em que acompanhava os Reis de Espanha, Mestre Bessa cruzou-se com ele na rua. “Perguntei se podia dar-lhe um abraço e ele disse que sim. Quando me deu aquele abraço, senti que não era um abraço de um homem, mas, sim, de Portugal.” Foi esse gesto simbólico que o levou a começar o retrato. Pintou-o como o presidente do povo, o dos afetos – “largou o ar solene dos retratos habituais e colocou-se ao nível do povo”.
O quadro foi entregue num 10 de junho, Dia de Portugal. Marcelo, surpreendido, perguntou quanto custava. “Disse-lhe: ‘Meu Presidente, isto tem o custo de um abraço.’” E foi assim que uma obra nascida na Rua do Almada entrou, ainda que provisoriamente, no Museu da Presidência.
Obra enviada a Volodymyr Zelensky. Fotografia © Rui Meireles
Quando lhe perguntam por que escolheu esta profissão, a resposta é simples: “Isto não se escolhe, um artista já nasce com a sua arte e, a determinada altura, há algo que desponta e começa a materializar-se.” Mestre Bessa recebe muitas encomendas, mas há figuras que decide retratar por vontade própria, por admiração. No caso do quadro de Volodymyr Zelensky, houve um impulso urgente: “Eu, como cidadão europeu, tinha de fazer qualquer coisa para justificar que este homem está a tombar na Ucrânia às mãos de um ditador.”
Houve quem não compreendesse os motivos. Um cidadão russo passou pelo ateliê e viu o quadro, perguntou-lhe se também pintaria um retrato de Vladimir Putin. A resposta veio pronta: “A minha vida é pintar, traga uma fotografia e eu pinto. Só há uma diferença: o de Zelensky foi oferecido, o de Putin tem de pagar.”
Também retratou António Guterres, cujo quadro se encontra na galeria das Nações Unidas, e o Papa Francisco, representado no Porto, durante as Jornadas Mundiais da Juventude – embora, curiosamente, o Papa não tenha vindo ao Porto. “Pintei como se tivesse vindo, e pus os Clérigos ao fundo, com a juventude à volta. O quadro chama-se Papa Francisco na Bênção do Porto e está agora no Vaticano.”
Todos esses quadros foram entregues aos próprios, muitos deles em mão. “Tudo o que faço já está destinado, e faço o que estiver ao meu alcance para que chegue à pessoa representada.” Pintar, para António Bessa, é uma urgência vital. “Sinto necessidade de pintar, tal como sinto de respirar. É o meu oxigénio.”
Pormenor de uma obra feita para a Igreja de Santa Joana Princesa, em Lisboa. Fotografia © Rui Meireles
© Rui Meireles
Mestre Bessa pinta a óleo e demora, em média, dois ou três dias a fazer um retrato. “Podia dizer que demoro mais, tenho colegas que o fazem, mas deve ser para justificar o preço.” Quando está entre os pincéis, as tintas e a tela, deixa-se sintonizar pelas músicas que a pessoa que está a retratar gosta de ouvir. “Começo a pintar e tudo flui, entro na frequência dessa pessoa.”
Atualmente, está imerso num trabalho exigente: quadros de grande escala para a Igreja de Santa Joana Princesa, em Lisboa. “Tive de comprar um andaime. Pinto quase com o nariz na tela. Tenho de descer, afastar-me para ver, e voltar a subir.” O projeto surgiu num contexto de igrejas contemporâneas, minimalistas, que começam agora a convidar artistas para preencherem os espaços com arte sacra. “Disseram-me que estávamos a abrir um precedente para que a Igreja voltasse a chamar pintores.”
O Porto
O Porto está sempre presente. Nas paisagens, nos retratos, nos sons. “Quando pinto o Porto, ponho sempre a música do Rui Veloso.” Descreve uma cidade de vizinhanças cúmplices, onde se pedia salsa de janela para janela e onde as conversas aconteciam nos telhados. “Eu próprio, lembro-me de andar feliz pelos telhados.” A alma da cidade está em cada rosto, nos gestos partilhados, nas trocas silenciosas entre moradores.
O ateliê de Mestre Bessa está sempre de portas abertas. É um espaço de criação, de escuta, de observação e de partilha, é uma montra viva e colaborativa no vaivém da Rua do Almada – onde o verbo pintar se conjuga todos os dias com a cidade.
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