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Novembro 2025
O Café Pinguim não é novo, e tem muito orgulho nisso. Fundado em 1987, mantém intactos os princípios fundadores — uma dedicação fervorosa à poesia, e a criação de um espaço onde seja fácil voltar uma e outra vez. Contudo, após o falecimento de Paulo Pires, o Pinguim atravessou um contido período de autogestão. Foi em março deste ano que o ator e encenador Rui Spranger assumiu o desafio de se juntar a uma nova equipa que quer dinamizar este clássico portuense com programação (quase) diária. Falamos com ele para perceber com que léxico se exprime o Pinguim.

© Sofia Hugens
O Pinguim é um sítio que se conhece quase de cor, como um monumento urbano que se usa como ponto de referência para quem ainda dá indicações em vez de enviar um pin num mapa digital. Se tudo o resto falhar, as portas mantêm o vermelho-tijolo de sempre, saltando à vista para os alpinistas que sobem da ribeira até às Virtudes e aproveitam a planura da Rua de Belomonte para descansar. Quem entra é recebido por um quadro em origami que é retrato de Paulo Pires, o anterior proprietário. Seguindo em frente, contorna-se o bar maciço para encontrar uma mesa livre — mesas com tampo de lousa, onde qualquer um pode pedir um giz para ali rabiscar uma arte efémera.
É numa destas mesas que falamos com Rui Spranger — pode ter adotado o papel de coproprietário do Pinguim apenas recentemente, mas já há muito tempo que é uma marca da casa. Corria o ano de 2002 quando, após um período de criação teatral na cidade de Viana do Castelo, Rui decide voltar ao Porto. “Na altura, tinha a ideia de ser bartender, e comecei a trabalhar na Gesto, que o Paulo também geria”, conta-nos. Já nessa altura, o Pinguim tinha o brasão antigo das noites de Poesia, criadas por Joaquim Castro Caldas, que Rui produzia. O formato era simples: noites de microfone aberto, em dias da semana incertos, para dizer poesia que disputava o ar da sala com as cristas de fumo dos cigarros.

© Sofia Hugens
Seis anos depois, em 2008, Rui Spranger estava perto de decidir abandonar o Pinguim, e procurar um poiso novo. Mas nesse ano falece Joaquim Castro Caldas, e o funeral aconteceu a uma segunda-feira: “Ligou-me o Pedro Lamares a dizer que a malta se devia juntar toda no Pinguim depois do funeral. E estivemos aqui, entre amigos. Foi nesse dia que eu decidi que continuava, mas disse ao Paulo: isto passa a ser às segundas-feiras, e eu passo a ter músicos convidados”.
Esse é ainda o formato habitual: todas as segundas, com espaço para música e para poesia. Apenas se registam as duas pequenas diferenças de já não ser permitido fumar no interior, e de passarem a ter um horário limitado — “Aquelas noites eram infernais, acabavam às quatro e cinco da manhã, até quando durasse. Acabavas por ter dois turnos: quem estava desde o início e se ia embora pela uma da manhã, e quem chegava depois das duas, já muito alcoolizado”. Sobre o espaço que a música e a poesia disputam, Rui não vê nisso um conflito: “Os músicos que aqui vêm sabem que o espaço é da poesia. E para além disso, não fazemos acompanhamento de poesia com música — na minha opinião, quando a música não é composta para aquele poema em específico, torna-se muito lírico no pior sentido da palavra. Põe toda a gente a dormir”.

© Sofia Hugens
O longo percurso das noites de poesia será celebrado já neste mês com o lançamento de um livro que comemora os 35 anos da sua fundação, celebrados em março: “Quando lançamos o livro dos 25 anos, os músicos ficaram um pouco de fora, por isso este livro virá acompanhado com um CD”. Para além disso, o livro tem os olhos postos no futuro: “Todos os poetas que estão no livro têm menos de 35 anos”. Este é um facto de que Rui se orgulha, porque “a poesia está muitas vezes associada com gente mais velha, mas nós temos aqui muitos clientes jovens — e estou a falar de cleintes assíduos, não de paraquedistas”.
Mas não só de poesia vive o novo Pinguim — está aberto todos os dias da semana e, para além do lugar sacro das segundas, há performance às quartas (“Não tanto numa perspetiva de teatro, mas de dança”, salienta Rui), comédia stand-up às quintas, música ao vivo nos serões das sextas e sábados, e um momento de convívio ao final de tarde de domingo, que nos dizem ser um “abrigo para os trabalhadores da noite”. Os mais atentos terão reparado que um dia não se encontra preenchido, mas Rui adiante que “a terça-feira é o único dia em que não temos programação, mas espero colmatar isso em breve — queria ter nesse dia algo sobre pensamento, não sei se estritamente filosofia ou algo mais livre”.
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