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Código Postal 4000 e tal
A colina verde das Musas
Espaço Musas
Codigo Postal: Musas

Duas ruas cruzam a cidade em paralelo, de Norte a Sul, partindo da Baixa. São a Rua de Santa Catarina, tão imperiosa e atarefada como sempre, e a Rua do Bonjardim, que não vê hoje a azáfama de outros tempos. Pouco antes de ambas convergirem no destino comum da Praça do Marquês, há uma colina acentuada, ladeada por estas vias, que mira a cidade: o Alto da Fontinha.


Historicamente uma zona pouco aproveitada para edificação devido às escarpas pronunciadas, o Alto da Fontinha viu a primeira implantação de zona habitacional acontecer com a chegada da Fábrica Social da Fontinha. Das ilhas dos operários de então restam apenas ruínas – muros e paredes que podem também ser encontrados ao longo dos talhões das hortas comunitárias da Quinta do Alto da Fontinha, uma das grandes áreas de ação do Sport Musas e Benfica – associação desportiva e recreativa fundada em 1951, mas com origens em 1944 numa equipa de futebol amador, os Leões das Musas.


O Sport Musas e Benfica é mais conhecido por Espaço Musas, uma força de coletivismo que se desdobra nas hortas comunitárias da Quinta do Alto da Fontinha, nos serões do ROMP (Recitais Ociosos do Musas – Poesia), em programas de continuidade como o Banco de Sementes ou a Reciclagem de Computadores, e no desenvolvimento de atividades pontuais como ciclos de cinema, oficinas de performance teatral ou ocupação de tempos livres para crianças.


Codigo Postal: Musas

© Rui Meireles

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Luís Chambel © Nuno Miguel Coelho

É na sede que falamos com Luís Chambel, presidente da direção da associação, entre a parafernália de tabuleiros e peças de xadrez, e os tomos que brotam das estantes da biblioteca como plantas infestantes. De todas as atividades do renovado Musas, aquela que lhe parece encher mais a medida do orgulho é a do xadrez. O foco é nas camadas jovens, onde se incute não só a paixão pelo jogo, mas a disciplina de treinos semanais. Além de organizar torneios com frequência, a associação faz todos os possíveis para ajudar nas deslocações dos seus atletas a torneios fora da cidade.


Há um objeto que se destaca nos molhos vivos, e que Luís folheia: um pequeno caderno A5, editado pelo Musas, com os dez melhores jogos da temporada 2022/2023, onde há um comentário individual para cada uma das cerca de 30 jogadas por partida de xadrez – um tributo ao carinho e acompanhamento desta modalidade.


Luís recorda um ponto de viragem fundamental para a associação: “um grupo de jovens que morava na zona tinha muita vontade de fazer trabalho com crianças, e uma assistente social indicou uma associação que estava muito mal, e a precisar de dinamização”. É assim que, no início dos anos 2000, o Sport Musas e Benfica escapa à extinção, havendo “uma espécie de transferência da geração anterior para estes mais jovens, o que permitiu que a associação continuasse”.

Essa continuação ficou pouco tempo depois em risco – o aparecimento de um fundo de investimento interessado no imóvel quase retirou a sede à associação. Hoje, há um acordo com um novo proprietário para uso das instalações durante dez anos, uma situação instável que causa alguma ansiedade.


Isto porque está afeto ao imóvel um bem insubstituível da associação: os talhões de horta comunitária nas traseiras do edifício. Aos terrenos da sede juntaram-se os logradouros de vizinhos, resultando num território labiríntico e pujante de vegetação, com uma vista incomum sobre a Lapa. Com um regime de “gestão coletiva, com responsabilidade individual”, cada hortelão é responsável pelo seu talhão, e dali colhe os frutos que bem entender – mas todas as decisões que afetem o grupo, ou que exijam contributo de todos, são tomadas apenas com unanimidade. No escritório, um mapa esculpido em madeira traça, em quadrados e retângulos justos, a ocupação de cada talhão: “figo”, “abacate”, “ameixa”, “pêssego”, “romã”.


Codigo Postal: Musas

© Rui Meireles

Codigo Postal: Musas

© Rui Meireles

Mas a realidade de campo desta extensa área desafia a simplicidade geométrica do mapa: entre escadas íngremes e sebes selvagens, vai-se negociando o caminho, em cada esquina encontrando sinais do trabalho coletivo: um palco chamado “Terra das Crianças”, construído com materiais recuperados; uma “casa de banho seca” em construção, para recolha e tratamento de fertilizante; pequenos miradouros completos com bancos; eletrodomésticos abandonados por quem já não vive nestas escarpas.


Entre todos estes espaços angulosos, há uma diversidade de métodos: placas carinhosamente pintadas à mão com o nome do fruto que ali se colhe, pequenos degraus feitos de cacos de cerâmica reaproveitados, ou então sacos de terra que funcionam como marcadores. Mas acima de toda esta atividade e esforço braçal situa-se uma área denominada agrofloresta. De acesso difícil, a associação decidiu deixar esta grande extensão de terreno em crescimento selvagem acima de tudo o resto. Acima dos muros que caem das quezílias por causa de terrenos e das ameaças imobiliárias, o topo da colina permanece tão indomado como sempre. Algo que agrada a Luís. “É uma das nossas responsabilidades: tentar que aqui quase no centro da cidade, haja um ponto em que a natureza tenha o seu espaço.”

por Ricardo Alves

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© Rui Meireles

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