PT
Outubro 2025
A Avenida de Fernão de Magalhães desfere um golpe da periferia da cidade até ao seu centro e tem o perfil habitual de uma grande artéria: muito residencial, com restaurantes e supermercados a compassar a longa reta. Mais ou menos a meio desta linha, encontra-se uma agradável bizarria – o Espaço Cultural Jubilant (Jubi para os amigos) tem construído um público fiel com uma oferta que vai dos concertos às aulas de dança, das conversas às exposições. Falámos com a equipa que rega uma casa que parece crescer como uma planta.
Anteriormente conhecido pelo extravagante nome de Jubilant Relax, a primeira vida do n.º 619 pautava-se pela cultura de rua na sua vertente mais livre – ainda hoje o logradouro ao ar livre é ladeado por altas paredes transformadas em galeria de street art –, mas há cerca de um ano e meio uma nova equipa assumiu a gestão do espaço. Mantendo a filosofia de crescimento orgânico e natural, a gestão passou para duas frequentadoras habituais: Ágata e Marta Ricca, irmãs. Além de partilharem o laço sanguíneo, partilham também uma afinidade pela área cultural – Ágata é música e trabalha como maestrina de coros, enquanto Marta trabalha na área da realização e produção audiovisual. Esta dupla afinidade levou a uma fantasia comum, como lembra Ágata: “sempre fez parte do nosso imaginário, sempre falámos sobre termos um espaço cultural, e desenhámos projetos mentais sobre como começar e o que fazer”.
© Nuno Miguel Coelho
A concretização começou quando Ágata, regressada de um longo trabalho de mestrado, sentia que “tinha passado demasiado tempo parada, a escrever; precisava de me mexer”. E inscreveu-se nas aulas de salsa e bachata da Arrisca-te Porto, conduzidas pelo chileno Eduardo Tirapegui, no Jubilant.
© Nuno Miguel Coelho
É como frequentadora do espaço que se apercebe que os donos estavam a pensar fechar portas – e os planos mentais entraram em ação. Marta recorda como estavam “muito assustadas” com uma decisão que tinha de ser tomada em apenas duas semanas, mas que cedo começaram a desenhar o projeto. “Este espaço já tinha um público, e tentámos perceber como poderíamos manter quem já se sentia confortável, enquanto abordávamos outras comunidades com as iniciativas que queríamos lançar.”
O desenho curatorial dos eventos que pretendiam acolher trazia consigo consequências logísticas, de acordo com o caderno de encargos recitado por Ágata. “Se queríamos aulas de dança, precisávamos de um bom soalho; se queríamos organizar conversas, precisávamos de cadeiras; se queríamos noites de jogos, precisávamos de mesas.”
Agora, a diversidade de eventos que recebem é ampla, sendo a única regra de ouro que se preserve o “ambiente de conforto e de inclusividade”. De facto, quando perguntamos sobre se alguma vez receberam uma proposta de programação absurda, Marta genuinamente questiona se isso seria possível. “Não sei mesmo a que tipo de evento nós diríamos que não”.
Ambas mantêm empregos porque até ao momento o Jubilant “não dá prejuízo, mas também não gera lucro”. E, na consistente filosofia de autossuficiência e faz-tu-próprio, quase tudo o que se encontra no espaço é material recuperado, e instalado com as próprias mãos. “Foi um desafio espetacular porque ambas tínhamos acabado um longo período académico, e passámos a colar chão, pintar paredes, arranjar mobília.” Dos cortinados às cadeiras, muita decoração foi também cedida por frequentadores habituais do espaço, transformando-o num livro de visitas assinado com objetos – onde, apesar da profusão de cores, padrões e texturas, todas as peças parecem assentar por medida. Uma espécie de crowdsourcing que chega mesmo a estender-se ao menu do bar, como refere Ágata: “um dos produtos mais populares que temos é o ‘completo’, uma espécie de cachorro no pão muito popular na América Latina. Tem tomate, maionese e guacamole, chamam-lhe o ‘estilo italiano’ por fazer as cores da bandeira. Foi alguém que nos sugeriu ter disponível no bar, e tem tido uma enorme adesão”.
© Nuno Miguel Coelho
Para o futuro, as irmãs traçam planos de diferentes escalas: Ágata fala em ter uma pequena livraria dentro do espaço (“nem que fosse uma prateleira”), enquanto Marta refere que com mais condições de iluminação poderiam receber eventos de teatro. Em ambas reside a ambição de, além de fazerem a curadoria das iniciativas acolhidas, poderem produzir eventos convidando artistas: “já nos sentimos encorajadas a promover os nossos próprios eventos e projetos, mas nunca encararíamos receber alguém sem haver uma remuneração garantida, pelo que ainda há algum trabalho financeiro e operacional antes disso acontecer”.
© Nuno Miguel Coelho
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