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Código Postal 4000 e tal
Mira: a galeria que Campanhã adotou
Codigo Postal: Espaço Mira

Em 2013, numa cidade em que os espaços de cultura se concentravam em alguns pontos nevrálgicos, a ideia de Manuela Monteiro e João Lafuente parecia descabida: instalar uma galeria de fotografia em Campanhã. Hoje seria apenas mais um projeto de reanimação da zona Oriental, mas na altura foram contestados: “Toda a gente dizia que éramos malucos, porque uma galeria de arte em Campanhã não tem razão de existência, não tem público”, relembra Manuela, sentada agora entre as altas paredes de granito do edifício requalificado pela arquiteta Adriana Floret.


Mas foi na Rua de Miraflor, a escassas centenas de metros da Estação de Campanhã, que o casal recuperou uns armazéns em ruínas porque “não havia espaços onde os fotógrafos se encontrassem". Reuníamo-nos no Café Poeta, no Carvalhido, uma vez por semana, sem ordem de trabalho, sem objetivo específico, só pelo prazer de estarmos a falar de fotografia.”

“Toda a gente dizia que éramos malucos porque uma galeria de arte em Campanhã não tem razão de existência, não tem público”

Embora o âmbito de galeria de fotografia fosse apenas encarado por Manuela e João como um ponto de partida, este foi expandido mesmo antes da inauguração, quando um evento de arquitetura pretendeu fazer uso dos armazéns em ruínas, acabados de comprar, e que viriam a ser o Espaço Mira. Em simultâneo com este evento, o Mira propôs ao curador João Maia a montagem de uma exposição. Os convites dispararam e, ainda antes de haver um teto sólido sobre as galerias, estava instalada uma exposição que “contemplava escrita, vídeo, pintura, fotografia e ilustração”.


A partir desse momento, a multidisciplinaridade está patente nos números acumulados ao longo de 10 anos — 228 exposições, 169 palestras, 142 performances, ou 120 lançamentos de livros — e distribuídos pelo que são agora os três espaços Mira: o Mira Fórum, o armazém original dedicado a exposições de fotografia; o Espaço Mira, dedicado a arte contemporânea e ainda contando com a curadoria de João Maia; e o novo Mira Artes Performativas, dedicado à dança contemporânea e performance.

Codigo Postal: Espaço Mira

© Rui Meireles

Um espaço no lugar certo


Mas a história do Mira não se cinge, de todo, ao projeto artístico. Para além do programa, emergiu desde cedo, e com uma cumplicidade em crescimento exponencial, uma relação profunda com os moradores ao redor da Rua de Miraflor. Para Manuela, essa vontade estava lá desde o início, mas sempre com a preocupação de não se “apropriarem” dos vizinhos.

Codigo Postal: Espaço Mira

© Rui Meireles

O processo começou então com “conversas sobre o tempo, sobre a saúde, sobre os gatos, sobre o estacionamento indevido, sobre, sei lá!, estas coisas vulgares”.

E a “malha foi-se adensando”, ao ponto de hoje as galerias fazerem parte do quotidiano de quem mora ali. Os jantares com os artistas convidados costumam ser no restaurante da Dona Rosa, um pouco mais abaixo. As bebidas após uma inauguração tendem a ser na Associação Malmequeres de Noêda. O projeto mais recente envolve o abrigo do outro lado da rua, com uma horta comunitária gerida por quem frequenta as duas instituições.


Filipe Lourenço, presidente da direção dos Malmequeres de Noêda, fala sempre com um brilho nos olhos do trabalho de renovação de uma associação caída no esquecimento, mas que agora promove um grupo de dança, aulas de jiu-jitsu, e recentemente estreou uma equipa de futsal federado. Mas o orgulho com que fala de um episódio relacionado com o Mira é quase físico: endireitando a postura e enchendo o peito, fala da vez em que o Mira estreou uma peça de teatro de um artista britânico ali mesmo, no palco que ocupa a maior parte da sala de espetáculos da sede da associação. “A relação com o Mira é excelente, excelente. Não podíamos ter pedido melhor.”

A mesma medida de orgulho parece encher Manuela e João quando nos mostram uma homenagem prestada pelos moradores: por ocasião do 10.º aniversário do Mira, ofereceram-lhes uma placa dourada, gravada com palavras de apreço, dentro de uma moldura de veludo azul. Este objeto, na profusão de celebrações dos 10 anos, parece ter um lugar especial. Entre as reportagens de imprensa e os convidados institucionais, a placa dourada brilha mais um pouco: “Isto arrasou-nos. Deixou-nos quase em lágrimas.”

Codigo Postal: Espaço Mira

© Rui Meireles

por Ricardo Alves

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