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Escola Normal © Sofia Hügens
Tocamos à campainha do número 511 da rua de Guerra Junqueiro. Andreas Sidenius (músico) e Victor Momberg (chef) vêm-nos abrir o portão pesado e recebem-nos de sorriso aberto. Do outro lado, encontramos uma mansão dos anos 30 do século XX transformada em espaço cultural onde há eventos semanais, desde música a poesia, passando por “jantares em mesas compridas”. Trata-se da Escola Normal, que começou por abrir portas no Funchal, em 2021, e desde o final de janeiro deste ano assentou arraiais também no Porto.
Os dinamarqueses são dois dos inquilinos desta casa, povoada por móveis e objetos antigos em segunda mão, que já foi cenário de um videoclipe, e que exala um certo charme do passado. À nossa espera na sala, forrada de alcatifa e papel de parede, está Catarina Miranda acompanhada do pequeno Alban. Durante um ano e meio, ela e Andreas Sidenius (são um casal) “fizeram um trabalho incessante” de procura diária de um espaço a que pudessem chamar “a casa” do coletivo artístico que criaram. “Para o estilo de vida que nós queremos – partilhar casa, ter estúdios, ter salas comuns, espaço para toda a gente estar – tem de ser assim, tem de ser uma casa grande.” Mas o objetivo é que o número 511 desta artéria da Boavista não seja “apenas” uma casa, mas “um ponto de encontro, um abrigo para a diferença, e um convite constante à experimentação”.
Promover “a colaboração artística e o intercâmbio cultural” é o grande objetivo deste coletivo internacional que construiu “um espaço livre, onde a arte pode acontecer de forma orgânica e colaborativa”. E a verdade é que o projeto, que começou com vários eventos espontâneos e informais, apresenta hoje uma programação mensal diversificada.
Catarina, Alban, Andreas e Victor © Guilherme Costa Oliveira
“A história é um bocado comprida”, adverte Catarina (mais conhecida por emmy Curl) antes de começar a desfiar o novelo desta história – que também é de amor. Andreas e Catarina conheceram-se na Dinamarca, onde a artista de Vila Real vivia num coletivo artístico enquanto trabalhava no seu álbum ØPorto, editado em 2019. “O amor foi lá buscar-me”, diz Andreas, sorridente.
Depois do nascimento atribulado do filho, em plena pandemia, e de dois confinamentos — um em Portugal continental, outro na Dinamarca —, a família procurou refúgio na Madeira, aonde foram visitar um amigo. “Apaixonámo-nos pelo sítio; já queríamos criar um coletivo artístico e decidimos fazê-lo lá”, conta Catarina. E o que começou por ser uma estadia de duas semanas na ilha, transformou-se em anos.
Foi na esplanada do Forte de Santiago, no Funchal, vazia de turistas por causa da Covid-19, mas frequentada por nómadas digitais que se haviam refugiado da pandemia, que tudo começou. “Percebemos que era um sonho de mais gente; de repente, juntámos sete artistas de diferentes nacionalidades com diferentes backgrounds: uma era enóloga, outra vendia roupa vintage, outro era produtor de música eletrónica, outro era biólogo, houve um cantor de glam rock islandês, um guitarrista de jazz…” – Foi este grupo que se desmultiplicou, depois, em muitos outros projetos, nomeadamente MIRADOURA, em que Andreas e Catarina se juntaram “a pessoal do jazz da ilha”; Post-Fatima, com músicos locais “a improvisarem techno durante algumas horas”, ou, ainda, bandas como Humming Dolphins e Nasty Limpets.
Jam session na Escola Normal © DR
Mas de todos os projetos que nasceram da Escola Normal, “o mais importante”, asseguram, são as jam sessions, que chegaram a juntar 400 pessoas na Madeira, e que continuam agora no Porto, às quartas-feiras, sendo palco para músicos experientes e para quem está a dar os primeiros passos. “Tínhamos – e continuamos a ter – uma regra: não há covers, é só improvisação. Nas jams, fazemos mentoria e acompanhamos os artistas. Por exemplo, as pessoas que gostam de cantar, mas têm vergonha, começam por ler um poema.” E apesar de não faltarem na cidade espaços que promovem jam sessions, Catarina refere que, desde que abriram portas, “tem havido muita gente da música a escolher a jam da Escola Normal como favorita por ser acolhedora e ter um bom ambiente”.
“Tem sido engraçado porque acabamos as jams aqui dentro às 23h30, mas depois costumamos ir para o jardim tocar acústico; há pessoas que ficam porque é intimista. E já se começa a criar uma família, uma comunidade; quando se dá esse espaço, é orgânico.”
Batizado por um dos fundadores e ex-membro do coletivo como ‘Escola Normal’ (porque costumava apanhar o autocarro na rua da Escola Normal, onde está a ESMAE), este espaço “acaba por ser uma escola de artistas”, onde se aprende e ensina em simultâneo. “Os próprios artistas que vivem aqui são profissionais, e nós estamos a aprender e a ensinar ao mesmo tempo.”
Este projeto acolhe, ainda, residências artísticas, dispondo, nesse sentido, de quartos para acomodar artistas temporariamente. Segundo os seus membros, este é um espaço que se abre a todos os artistas, estando prevista a criação de estúdios de pintura, de música, ou de costura. “As pessoas que queiram ser inquilinas desta casa devem ter um requisito: ter interesse em cultura”, diz Andreas. “E quem não tiver, vai ter um choque cultural”, atira Catarina, rindo do trocadilho.
A Escola Normal também está aberta a receber oficinas. “Estamos num espaço que quer ser um ponto de colaboração. Por isso é que o lema é ‘by artists for artists’ [por artistas para artistas]”, sublinha a música e produtora. “Aqui, o sistema pode funcionar por trocas”, acrescenta o companheiro.
Apesar de a música estar no centro da programação, a Escola Normal, que é um espaço “amigo das crianças”, acolhe eventos de poesia e jantares literários, e vai passar a promover tertúlias sobre cultura e sustentabilidade, entre outras temáticas. “É um projeto de comunidade, para pessoas que gostam de cultura e que gostam de comer juntas à mesma mesa”, sublinha o artista dinamarquês formado em Filosofia.
© Guilherme Costa Oliveira
“Gostávamos de mudar a ideia que as pessoas têm sobre os artistas; ou são superstars ou são hippies que vivem de massa com ketchup”
Andreas Sidenius © Guilherme Costa Oliveira
O cofundador afirma que a Escola Normal “não é uma sala de espetáculos, nem é um negócio para vender bilhetes; é um espaço para experiências intimistas”. No entanto, pelo menos uma vez por mês, abrem portas para uma iniciativa cultural de maior dimensão, com lotação até 200 pessoas. Em setembro, o evento, intitulado Festival Normal, acontece no dia 20, sábado, e do alinhamento fazem parte nomes como Unsafe Space Garden e Sete Pés. “Será um festival em que tudo é partilhado; o cachê é partilhado de igual forma por todos os artistas, todos ganham o mesmo, e comemos todos juntos.” O dinheiro da bilheteira reverte para os artistas e as verbas obtidas com o bar destinam-se ao coletivo.
Segundo o músico, o projeto passa, ainda, por “mudar mentalidades”. “Gostávamos de mudar um bocadinho a ideia que as pessoas têm sobre os artistas, e sobre como vivem; ou são superstars ou são hippies que vivem de massa com ketchup”, brinca. “E nós gostávamos de criar um espaço para a comunidade de artistas e mostrar que é possível viver e trabalhar com condições.”
As colaborações com espaços vizinhos também já estão em marcha, como é o caso da jam session que decorreu no RCA – Radioclube de Agramonte (espaço em foco no Código Postal 4000 e tal da edição de verão), e já pensam em iniciativas futuras no Lamaçal.
Sobre outros projetos entre mãos, Catarina – ou emmy Curl – adianta que está a preparar o Pastoral Vol. II e um documentário sobre canções de Trás-os-Montes, enquanto produz música para outros artistas e trata da horta comunitária da Escola Normal, de que se orgulha. “Quem passa cá mais tempo abraça a horta porque vê as coisas a crescer.”
Catarina Miranda © Guilherme Costa Oliveira
© Sofia Hügens
Agenda de setembro da Escola Normal:
3 set., 18h30-23h30: Improv Jam session (entrada livre)
6 set., 21h00: Concertos de Beatriz Teles + Malva (bilhetes)
10 set., 18h30-23h30: Improv Jam session (entrada livre)
17 set., 18h30-23h30: Improv Jam session (entrada livre)
20 set., 14h00-01h0: Festival Normal (bilhetes)
24 set., 18h30-23h30: Improv Jam session (entrada livre)
28 set., 21h00: Concerto de BEXE (bilhetes)
© Guilherme Costa Oliveira
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