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O Clube Fenianos Portuenses nasce em 1904, mas tem raízes ainda mais profundas, na Real Sociedade Humanitária, fundada em 1852. Após ver as suas instalações originais destruídas por monarquistas, é em 1920 que o Clube estabelece residência permanente na sede atual, junto ao edifício da Câmara Municipal. Fomos descobrir o que se viu do topo da Avenida dos Aliados ao longo de 120 anos.
O nome, deve-o a um dos membros fundadores da Real Sociedade Humanitária, um irlandês residente no Porto, tornando clara a afiliação republicana desta agremiação. Já os fenianos originais, revolucionários republicanos irlandeses, devem o seu nome à figura mitológica de bandos de guerreiros-poetas que militavam contra a coroa britânica. O nome assentava como uma luva aos fundadores – homens de posses, instruídos, com um saudável desprezo pela repressão monarquista e uma paixão pela causa humanista.
Vítor Tito, atual presidente da direção, fala destes princípios fundadores como se tivessem sido escritos hoje: “Nós nascemos porque se achou que a cultura era um instrumento fundamental à promoção da cidadania e à promoção da igualdade. Os Fenianos sempre olharam para a cultura como um instrumento político, como uma forma de formar bons democratas.” Princípios que, portanto, se mantêm válidos hoje.
© Andreia Merca
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A simplicidade do lema do clube – “Pelo Porto” – trai a sua origem a tempos em que o associativismo não tinha ainda despontado. Uma origem anterior à “explosão cambriana” de associações e clubes na cidade, e muito antes do declínio (ou mesmo a “extinção permiana”) deste ecossistema. As razões do declínio do associativismo na cidade são as habituais – concorrência de grandes superfícies comerciais e novos equipamentos de entretenimento, menor coesão comunitária – mas os Fenianos viram-se frente a um desafio adicional. A sua posição privilegiada no coração da Baixa insere-os numa malha urbana com, hoje, muito poucos residentes, dificultando a criação de massa associada.
© Andreia Merca
Enquanto Vítor nos guia por entre as várias divisões do enorme edifício-sede, caminhando sobre soalho de madeira de macaúba (importação dos membros do clube brasileiros que fugiam da monarquia na antiga colónia), as marcas desta travessia de 120 anos fazem-se notar, divisão a divisão. Fazem-se notar, por exemplo, na biblioteca que faz pleno uso de um pé direito com mais de seis metros de altura. Estantes repletas de livros cobrem as paredes, sendo os níveis mais altos apenas alcançáveis por uma escada móvel. Os maiores tesouros, contudo, estão sob a guarda atenta da bibliotecária, como uma primeira edição de contos de Voltaire, de 1785, ou algumas das páginas de um livro de 1822 de António Nunes dos Santos, ainda em folio e por cortar. A decoração nesta sala é mais austera, mas um pouco por todo o edifício há anotações clássicas com designações como mísulas, modilhões, cartelas, caduceus ou frisas de ovículos – e estas atribuem ao edifício um caráter tão floreado como os seus nomes.
À medida que caminhamos pelos andares e divisões, as diversas vidas que passaram pela vida do clube parecem transparecer na pluralidade de texturas de paredes (ora em pedra nua, ora caiadas e pintadas do mesmo ocre do exterior) e de mobiliário (expansivas mesas de carvalho trabalhado convivem com ecrãs LCD e cadeiras de conferência). Esta manutenção de legado em alegre convívio com o uso quotidiano está também presente no salão de bilhar, onde delicados contadores manuais de pontuação em madeira se afixam na mesma parede onde ecrãs digitais apresentam os resultados em tempo real.
© Andreia Merca
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O bilhar é, aliás, um embaixador do clube, tendo este sido campeão nacional por diversas vezes, fazendo frente ao outrora vizinho bilhar do Futebol Clube do Porto. Mas é apenas um dos muitos embaixadores. Mais à frente, encontramos também a sala do Clube de Ilusionismo dos Fenianos, o clube de ilusionismo mais antigo do país, repleto de acessórios que parecem ter saído de um sonho febril; a sala onde aconteceram os primeiros ensaios (e as primeiras três exibições) do TEP – Teatro Experimental do Porto, em 1953; e numa sala de arrumos, alguns manequins, trajes e cabeçudos de corsos carnavalescos – ecos do primeiro corso público criado pelos Fenianos, em 1905, com fatos desenhados por Rafael Bordalo Pinheiro.
Mas este clube, apesar da imensa riqueza histórica, recusa ser relegado ao passado. Tem o coro mais antigo da cidade, mas é um coro que ainda se encontra em atividade. O salão nobre reveste-se de uma dignidade conferida por mais de um século de aprumo, mas está habitado por uma exposição de um pintor húngaro. No corredor, bailarinos aquecem para filmar um spot promocional da próxima temporada de programação da associação de dança contemporânea A PiScInA. Alguém da associação interpela Vítor Tito sobre a possibilidade de poderem usar uma das muitas salas da sede para um workshop de dança semanal, e a resposta sai direta, automática: “Claro que sim. Tudo o que quiserem.” A dança está também presente com a Escola Dança Paz, coberta na reportagem da edição anterior da Agenda Porto – aulas de dança para crianças ucranianas e russas, que está agora a somar cada vez mais nacionalidades (e títulos nacionais). Há a sensação de que todo este espaço dos Fenianos está, mais do que aberto, a chamar para que seja preenchido. Vítor vê isso como a vocação essencial do clube: “Nós aqui não temos um só tema, uma só paixão. Temos várias.”
por Ricardo Alves
© Andreia Merca
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