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São três, poderão vir a ser quatro, mas o nome vai ficar — 3 Warning Shots são uma banda que começou no verão passado, estava a dar concertos em janeiro deste ano, e vão lançar o primeiro EP, "Pilot", na primeira edição da festa "Chuinga", do Coletivo Machamba.
Lê-se deles que "se conheceram no lado certo do balcão, num daqueles tascos em perigo de extinguir para dar lugar a mais uma colónia de cappuccinos e sobremesas de abacate". A apresentação assenta-lhes bem, dá uma textura de madeira martelada por canecas de vidro e um aroma de tabaco impregnado com perspiração de corpos em dança, sinais do habitat natural de um rock and roll despretensioso e enérgico.
São eles Miguel Flores (guitarra e voz), Francisca Sousa (baixo e voz) e Fábio Pereira (bateria e —não contem a ninguém — também voz). Encontramo-nos com uma das bandas mais recentes do panorama portuense no espaço AL 859 — galeria de arte que várias vezes dá por si como sala de espetáculos — para saber de onde vêm e ao que vâo.
Começando por de onde vêm, Miguel Flores recorda uma conversa tida algures entre concertos no festival Inferno das Febras, em Lousada: "Eu e a Francisca somo amigos e parceiros de concertos há muitos anos, e ela naquela altura diz-me que gostava de começar a aprender a tocar baixo. Eu disse-lhe logo, 'eu estou a tocar umas coisas com o Tommy, podes juntar-te a nós e ensinamos-te na hora'."
© Renato Cruz Santos
Portanto, de uma conversa tida nas profundezas do Inferno (das Febras) surge o batismo de baixo elétrico e uma banda. Miguel descreve um adensar de ensaios no "pós-verão" de 2023, e um desafio lançado em janeiro de 2024 para tocarem no Maus Hábitos logo em abril.
© Renato Cruz Santos
Embora Francisca fale de terem começado por escrever e tocar coisas "muito simples", até para lhe permitir a exploração do novo instrumento, Miguel sublinha antes que "descobríamos coisas novas por estar ali numa ótica de ingenuidade, com olhos de quem vê tudo pela primeira vez", e sempre com uma atitude de "bola para a frente", reforça.
Essa ética de arrancar e esgalhar foi também o método para o nome da banda. Apesar de terem estado a discutir opções de nomes entre si, e a testar algumas opções junto de amigos, "3 Warning Shots" vem de um improviso letrista de Miguel — que canta sempre em improviso nos ensaios, apenas mais tarde escrevendo a letra — e aos três soou demasiado bem para repensar. "É estúpido porque ninguém dá três disparos de aviso, mas saiu na hora e ficou", refere Miguel. Já Francisca aprecia a evocação "western" do nome.
O temperamento faz-tu-próprio da banda não vem apenas do desenrascanço, mas também de uma filosofia. Miguel refere que "um artista conseguirá sempre fazer ponte para outros estilos, outros géneros, outras práticas artísticas, porque o que realmente importa é a voz, e ter algo para dizer".
Uma filosofia posta em prática pelos três elementos da banda, que assumem uma mão-cheia de projetos cada um. Fábio, o membro mais recente, é licenciado pela ESMAE e atualmente professor — mas encara esse como apenas um day job, levando mais a sério projetos a solo como Cunhal Caveira, ou a banda Os Overdoses, que recentemente lançaram o seu primeiro álbum. Francisca, apesar de neófita na interpretação musical, também integra Os Overdoses, embora até aqui o seu percurso tenha sido mais definido no ramo das artes plásticas e performance, estando neste momento a concluir o seu doutoramento na FBAUP. Miguel Flores insere-se em diversas constelações: autodidata de programação, faz disso o ganha-pão mas dá uma perna em vários projetos — a solo, define-se como "fadogaze, que é pegar naquela portugalidade triste com umas guitarras bonitas, e espetar gesso lá no meio". Uma mão-cheia de cruzamentos: "como o Fábio fez a gentileza de me ajudar com o meu trabalho a solo, eu também retribuo participando em Cunhal Caveira a estragar aquilo tudo".
Sábado vão então apresentar o primeiro EP — o primeiro cheirinho já saiu, "Ride" — numa atuação ao vivo que vai trazer mais do que as quatro canções que o compõem. Afinal, o primeiro álbum já está em gestação, e nada melhor do que trazer as suas partes cá para fora para as testar. Francisca refere que as atuações ao vivo "são uma ótima maneira de fechar ideias, de as confrontar com a forma como são recebidas.". "Nas artes plásticas também acontece muito isso, marca-se uma exposição para forçar a acabar trabalhos", acrescenta.
© Renato Cruz Santos
Esta apresentação de "Pilot", o primeiro EP dos 3 Warning Shots, acontece na primeira edição da festa Chuinga.
Esta festa tem o carimbo da Machamba, entre cujos membros fundadores se encontra Luís Masquete. O nome chuinga, diz-nos, "é das poucas palavras que me lembro da minha vivência em Moçambique, e vem de chewing gum (pastilha elástica)". E porquê pastilha elástica? A ideia foi "unir diversos universos do panorama alternativo da cidade, sabendo que iríamos reunir artistas que provavelmente nunca mais vão partilhar um cartaz". Assim, é uma festa onde a Machamba "juntou os polegares e pressionou várias vezes, para garantir que duram e resistem".
Esta ideia de pluralismo é algo que está presente na raiz da criação da Machamba, que junta "membros que vêm de meios culturais dinâmicos, diferentes entre si". Luís reconhece que este gosto pela transversalidade vem desde muito cedo: "No meu caso, gosto de dizer que sou uma vítima de Barcelos, que tinha uma 'mestiçagem cultural' onde era impossível não seres influenciado pelos diversos nichos ao teu redor". Lembra como expoente máximo disso o festival Milhões de Festa, onde "podias só assistir a concertos do teu nicho, mas sem nenhuma pressão, tinhas ali à mão coisas completamente fora do teu circuito".
"Acho que ali entre 2018 e 2019, —para quem faz concertos, quem toca, quem está a assistir — o panorama em Portugal nunca esteve tão dinâmico", refere, adicionando que isso trouxe uma espécie de "pluralismo" aos projetos musicais em si, beneficamente contaminados pelo que se passava ao seu redor. Mas "a pandemia e o enclausurar das pessoas tiveram um efeito reverso em que quer artistas, quer públicos começaram a voltar às suas raízes, às suas identidades". Não vê isto como uma coisa má, apenas como "algo que é cíclico".
© Renato Cruz Santos
Luís assume o ano de 2024 como um laboratório para o coletivo Machamba, que pretende ser uma força de novo unificadora nos ciclos do panorama musical alternativo. "A Machamba tem uma vontade de juntar as comunidades, especialmente PALOPianas, que vivem no Norte de Portugal, que não têm tanta representatividade artística como têm, por exemplo, em Lisboa, mas também apostar em linguagens diferentes entre si."
por Ricardo Alves
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