Tenho na memória todas as histórias que me contou, porque mesmo mundanas sempre ficaram comigo. Trabalhou desde criança, o Bolhão foi a sua casa. Descalça pelas ruas do Porto levava à sua tia o peixe fresco da lota. No bolso do avental trazia as moedas que juntou para comprar uns sapatos. Os dias eram difíceis, mas lembrava-os com um sorriso no rosto. Entre cantorias e gargalhadas, as peixeiras do Bolhão traziam alegria a toda a gente. Esta coleção é uma homenagem à minha bisavó, que toda a sua vida foi peixeira no Bolhão.

Os coordenados apresentados retiram vários pormenores que remetem às camisas, blazers, aventais e xailes encontrados em fotografias da minha bisavó e das suas colegas. A desconstrução das peças clássicas (camisas e blazers), com a junção dos aventais e xailes, une a vestimenta que usava no dia a dia à sua profissão. Nesta coleção, são utilizados os tecidos de duas camisas herdadas da minha bisavó, como incorporação de algo dela e já existente, dando assim uma nova vida a esses tecidos.
Também são utilizados restos de tecidos de fábricas (deadstock), contribuindo, assim, para a redução do desperdício e da poluição, tão frequentes na área da moda. A importância desta exposição reside também no local escolhido: o Mercado do Bolhão não é apenas um espaço comercial, mas um verdadeiro símbolo da cultura e da história do Porto. Apresentar esta coleção neste cenário emblemático cria uma conexão direta entre a arte, a memória e a vivência quotidiana da comunidade. É um convite a todos os visitantes para redescobrir as raízes da cidade, valorizar a contribuição das mulheres peixeiras e refletir sobre o papel da moda como expressão cultural e identitária.

Esta mostra transcende o âmbito da moda para se afirmar como um diálogo entre passado e presente, tradição e inovação, memória e sustentabilidade.